Para responder essa pergunta, é preciso entender a complexidade do sistema monetário internacional. Iniciamos com o padrão ouro, que vigorou, com estabilidade, entre 1870 e 1914. Nessa estrutura, os países lastreavam o valor de sua moeda à quantidade de ouro existente no país, assim, servindo como meio de troca, unidade e reserva de valor.
No contexto internacional, este regime se fundamentava na obrigatoriedade de cada país em manter parte significativa de seus ativos de reserva internacional em forma de ouro. Essas, determinavam as condições do comércio de cada nação.
Uma série de eventos corroboraram para o fim desse regime, como o início da Primeira Guerra Mundial, aumento dos gastos militares e instabilidades macroeconômicas. Apesar das tentativas de reestabelecer o padrão ouro, a crise de 1929 foi um golpe duro e os países o abandonaram.
Diante da crise e desarticulação mundial, as nações buscaram uma maior cooperação. Assim, surgiu o Acordo de Bretton Woods em julho de 1944. Além de definir um sistema de regras e procedimentos para regular a política econômica internacional, os acordos visavam diminuir grandes oscilações econômicas.
Dentro os principais tópicos, os países deveriam manter suas moedas indexadas ao dólar americano – com limite de variação de 1% – e o dólar teria um valor fixo em relação ao ouro. Houve também a criação do FMI (Fundo Monetário Internacional), do Banco Mundial e do BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento).
A importância da economia norte-americana no pós guerra – parque industrial poderoso e acumulação de capital – elevado financiamento aos países atingidos pela guerra e aumento da demanda mundial por produtos dos EUA, levaram a moeda americana a ter um papel fundamental no sistema monetário mundial. Vale ressaltar que o fato de o dólar ser uma das primeiras moedas conversíveis no mundo também contribuiu para sua ascensão internacional.
As medidas aprovadas em Bretton Woods funcionaram como previsto durante 20 anos. Porém, a partir da segunda metade da década de 60, vários problemas começaram a surgir no sistema, principalmente pela degradação das finanças norte-americanas – financiamento de guerras e estímulos à economia doméstica. Resultado: os países começaram a enxergar que a paridade dólar-ouro não condizia mais com a realidade, levando ao colapso em 1971.
Apesar do fim do acordo nos anos seguintes, a moeda americana passou a ser hegemônica no cenário internacional.
A pergunta que muitos fazem é: até quando o dólar continuará dominante? Não é uma pergunta simples, pelo contrário, é de alta complexidade. Mas, pode-se dizer que por muitos anos. Isso porque mudanças no sistema monetário internacional costumam ser lentas. Além disso, contratos financeiros e comerciais são, predominantemente, celebrados em dólar, já que essa é a moeda mais líquida.
Por ora, nada indica que a moeda norte-americana perderá esse posto nos próximos anos.
Diariamente, o volume de dólares negociado no mercado mundial ultrapassa US$ 6 bilhões. É a principal moeda utilizada. Ela serve para transações comerciais e financeiras, além de ser a reserva cambial predominante dos Bancos Centrais. Para se ter uma ideia, a moeda norte-americana representa aproximadamente 60% das reservas globais.
Assim, o enorme volume de dólares no mundo, sua importância no comércio internacional e reserva de valor, dificultam o surgimento de uma moeda mais importante.
Contudo, o nível de comércio não é a única razão pela qual o dólar americano é a moeda de reserva mundial. Os EUA têm uma importância institucional. Além do poder financeiro, os seus títulos da dívida sãos os mais seguros do mundo. E, o Banco Central norte-americano, o Fed, é uma das âncoras da política monetária internacional. O Banco Central chinês, por exemplo, ainda está muito distante desse lugar.
Se pegarmos o ranking de moedas mais negociadas além do dólar, as principais são: euro, yen e libra esterlina. Estas não chegam perto do patamar da moeda norte-americana.
Além disso, caso a moeda norte-americana perca a sua hegemonia, os EUA teriam grandes problemas financeiros e econômicos – atualmente, sua dívida é de US$ 23,3 trilhões.
Para ter alguma mudança ou pressão sobre o dólar é preciso ter um evento disruptivo que altere as estruturas econômicas. No passado, guerras foram a causa dessas mudanças, porém a probabilidade de isso ocorrer novamente é pequena.
Atualmente, países como China, Rússia e Índia estão cada vez mais exigindo e utilizando as suas próprias moedas para realizar o pagamento das transações comerciais entre si. Mas, mesmo com o aumento do volume no longo prazo, é muito difícil fazer qualquer tipo de previsão.
A partir dos anos 2000, a China se tornou um ator relevante para essa discussão pela relevância que ganhou na economia mundial e porque deve ultrapassar a economia norte-americana dentro de alguns anos. Mas, para ela superar o euro, libra ou dólar, é preciso que a moeda chinesa seja mais aceita nas transações financeiras e comerciais. Como também, ser mais utilizada como reserva dos principais Banco Centrais, que não é uma tarefa nada fácil.
E, para que o Renminbi (moeda oficial da China) ganhe mais relevância, seria necessário estar mais integrado aos circuitos financeiros internacionais. Porém, tal fato levaria a alguns custos que o governo chinês não pretende incorrer no momento, como uma possível valorização do Yuan, que poderia afetar a competitividade de suas exportações.
Em relação ao cenário das criptomoedas, mesmo diante do desenvolvimento tecnológico e o surgimento de moedas digitas emitidas pelos bancos centrais – como a moeda chinesa e, futuramente, a brasileira –, além de criptomoedas, acredito que esse cenário é pouco provável.
Como dito anteriormente, devido a importância do dólar – volume no mercado financeiro e comercial, reservas dos Bancos Centrais -, será difícil as criptomoedas tomarem o lugar de outras moedas.
Isso não quer dizer que elas não ganhem importância com o passar do tempo, mas com menor relevância.
Por fim, é importante ressaltar que o poder de um país também está assentado na emissão de sua moeda. Os bancos centrais dificilmente ficarão parados a esse movimento das criptomoedas, pois representaria uma perda de sua autonomia para fazer política monetária.
Gustavo Sung
Economista graduado pela Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e mestre em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), sua pesquisa está relacionada às intervenções do Banco Central no mercado de câmbio brasileiro.
Iniciou sua carreira na Tendências Consultoria Integrada, acompanhando os setores de petróleo, gás e energia elétrica. Atuou na pesquisa e elaboração de cenários, projeção de indicadores, e elaboração de relatórios e atualmente é economista-chefe da Suno Research.
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Texto publicado na edição 44 da revista CRC!News, acesse e leia todos os destaques do setor.