Há alguns anos o mercado de consumo de produtos bancários/financeiros vem passando por grande transformação com a chegada de novos players. É inevitável reconhecer que a XP Investimentos revolucionou esse mercado ao abrir grande leque de produtos de investimentos para uma parcela considerável da população que, até então, dispunha de produtos limitados e com péssima rentabilidade oferecida pelo mercado bancário tradicional.
É bem verdade que a XP Investimentos, se não introduziu, ao menos popularizou o conceito de “Educação Financeira” e oportunizou à população que passasse a investir melhor, sendo logo seguida por concorrentes de peso que viram na porta aberta pela XP Investimentos uma enorme oportunidade.
De olho na possibilidade de maior autonomia e diante da perspectiva de impulsionar seus rendimentos, diversos profissionais de diversas áreas foram atraídos a exercer a profissão de Agente Autônomo de Investimento – AAI, sendo uma parte considerável deles proveniente do mercado bancário tradicional, tais como gerentes de agência dos segmentos de alta renda, operadores de mesa, diretores etc.
Com o crescimento exponencial deste modelo de negócios, também ganharam grande visibilidade as Sociedades formadas por AAIs que, resguardas as devidas diferenças estabelecidas pela legislação regulatória, grosso modo funcionam como se fossem verdadeiras agências bancárias, atribuindo aos sócios, obrigatoriamente AAIs, cargos e funções diversas e até mesmo equivalentes às das agências bancárias, tais como diretores regionais, gerentes de agências e de contas, chegando até a dividi-los por ramos de conhecimentos em produtos de investimentos (renda fixa, variável etc.).
Evidentemente que tudo que é novo e traz bônus, também tem os seus ônus. E esse “novo” mercado em expansão não foge à regra.
No dia 30/08/2022 a notícia de que a Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE decidiu pela instauração de Inquérito Administrativo para apuração de condutas da XP Investimentos que, em tese, podem configurar infração à ordem econômica, foi amplamente divulgada pela imprensa tradicional e especializada.
Deve-se registar que a abertura do Inquérito Administrativo é baseada apenas em indícios, bem como que medidas preventivas contra as supostas práticas da XP Investimentos foram indeferidas, pois o CADE entendeu que precisa primeiro apurar com maior profundidade os fatos. Ou seja, até que o Inquérito Administrativo seja devidamente processado e finalizado, a XP Investimentos é inocente.
A questão que envolve a notícia mencionada acima e que importa para este artigo são os indícios de que a XP Investimentos se vale de cláusulas contratuais impostas aos AAIs e às Sociedades de AAIs que poderiam impedir ou dificultar o acesso de concorrentes a eles. As cláusulas em questão seriam de não-concorrência e não-solicitação “aplicáveis por extensos períodos e com previsões de onerosas penalidades em caso de descumprimento, o que teria o condão de impor sérios obstáculos à livre movimentação dos AAIs entre corretoras”.
É bem verdade que a XP Investimentos se tornou uma gigante financeira avaliada em bilhões, o que pode desestimular que Sociedades de AAIs e AAIs queiram contrariá-la, mas também é verdade que uma parcela considerável das Sociedades de AAIs possui condições de “entrar na briga” para discussão da validade destas cláusulas. Tanto é verdade que, embora o Inquérito Administrativo tenha sido aberto por iniciativa do próprio CADE (ex officio), já havia no órgão representações feitas pelas Sociedades de AAIs Acqua Vero, EQI e Arton.
As cláusulas em questão são replicadas, por sua vez, pelas Sociedades de AAIs, contra os AAIs, com diversas adaptações, tais como “não aliciamento de clientes”, “não aliciamento de assessores da sociedade”, “proibição de AAIs se tornarem sócios em outra sociedade de AAIs” etc., produzindo exatamente o mesmo efeito de intervenção na ordem econômica e no direito concorrencial, mas contra players que não possuem tanta disposição e recursos para enfrentar a “briga”, valendo dizer que possuem até medo.
Finalmente, delineando o objetivo deste artigo, a proposta é uma análise das principais cláusulas contratuais impostas pelas Sociedades de AAIs aos AAIs e que impactam diretamente no poder de tomada de decisão destes últimos em relação aos rumos futuros de suas carteiras, como por exemplo mudar de uma Sociedade de AAIs para outra, seja dentro do âmbito da própria XP, ou fora corretoras concorrentes (BTG, Safra etc.).
Leia mais
“Esta é mais uma página das disputas da XP no Cade”
“O Cade entendeu ser necessária a investigação para aprofundar a análise”
Conclusão
Evidentemente que não se pode simplesmente afirmar que as cláusulas aqui tratadas são nulas e, portanto, todo e qualquer AAI que tenha se vinculado a elas pode simplesmente considerá-las como tal, pois o que se precisa na verdade é de uma análise minuciosa e atenta de todos os aspectos que envolvem sua relação com a sociedade.
Contudo, a experiência que se tem pela prática do mercado de Sociedade de AAIs é que de fato essas cláusulas têm sido usadas como mecanismos de interferência no mercado concorrencial, quando na verdade deveriam ser usadas para protegê-lo.
Ora, impedir que um AAI, que seja sócio relevante de uma Sociedade de AAIs, leve informações estratégicas dessa sociedade para outra é justo e atende aos princípios que norteiam o direito concorrencial, mas valer-se das mesmas cláusulas para prender sócios minoritários, com informações irrelevantes sobre planos estratégicos, apenas para impedir que estes levem seus Clientes para outras Sociedades de AAIs ou outras Corretoras, pode configurar prática abusiva.
O conselho aos profissionais que já ingressaram ou que ainda vão ingressar nesse mercado, é de que leiam com muito cuidado todas as Cláusulas contratuais que envolvem seu ingresso nas Sociedades de AAIs, principalmente o Acordo de Sócios (também chamado de Acordo de Acionistas ou Acordo de Quotistas), documento que normalmente não é disponibilizado aos sócios ingressantes espontaneamente pelas Sociedades, mas que os vincula independente de ser assinado.
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Texto publicado na edição 50 da revista CRC!News, acesse e leia todos os destaques do mercado de assessoria de investimentos.