O mercado de AAIs vem crescendo em progressão geométrica nos últimos anos. O que, por um lado, é muito bom por desenvolver um mercado de investimentos mais eficiente e independente dos grandes Bancos, mas, por outro lado, vem criando problemas para o Investidor.
Como se sabe, o Investidor é, na grande maioria das vezes, captado pelo AAI para uma das plataformas atuantes no mercado (XP, BTG, Safra, Modal etc.), depositando neste AAI sua confiança para auxiliá-lo com seus investimentos. Se o Investidor não estiver satisfeito com o AAI, pode, a qualquer momento, trocá-lo por outro que se apresente mais vantajoso, inclusive alterando a custódia de seus investimentos de uma plataforma para outra. No final, a decisão do Investidor é soberana e deve ser respeitada.
Mas e se o AAI deste Investidor não estiver satisfeito com a Plataforma ou a Sociedade de AAIs em que está atuando e enxergar melhores perspectivas de desenvolver seu trabalho em outra Plataforma ou outra Sociedade de AAIs, inclusive com benefícios ao Investidor?
A resposta para essa pergunta deveria ser simples: cabe ao Investidor decidir se quer seguir com o AAI de sua confiança ou não. Ocorre que, infelizmente, o mercado caminhou para um ponto em que os interesses do Investidor são colocados à margem dos interesses das Plataformas e das Sociedade de AAIs.
É muito difícil ver atualmente uma Sociedade de AAIs que permita a saída de um AAI para outra sem causar traumas a todos os envolvidos, principalmente aos Investidores, pois as cláusulas de “não competição” e “não aliciamento”, impostas pela Sociedade de AAIs ao AAI retirante, visam impedir que o retirante continue exercendo a profissão por um certo período, bem como que continue atendendo os investidores que captou e que lhe confiaram seus investimentos.
A mesma questão se dá quando uma Sociedade de AAIs pretende migrar de Plataforma, o que na verdade só demonstra que a prática é replicada na cadeia, sempre imposta pelo mais forte ao mais fraco, sempre causando o maior prejuízo ao último elo: o Investidor.
A discussão a respeito da validade dessas cláusulas chega aos montes nos Tribunais brasileiros, que ainda não pacificaram o entendimento sobre o tema, tendo decisões favoráveis para todos os lados, menos para o Investidor.
E o Investidor? O Investidor, que nada tem a ver com os contratos e cláusulas impostos pelas Plataformas e Sociedades de AAIs ao seu AAI de confiança, se vê no meio de uma briga que jamais ocorreria se tivesse mantido os seus investimentos no Banco, sendo, na maior parte das vezes, prejudicado diretamente pelo abrupto e repentino corte do acesso de seu AAI à Plataforma e pela migração compulsória de sua assessoria para outro AAI, que jamais viu ou ouviu falar, sem que ninguém tenha lhe perguntado se era isso que desejava.
Cadê o respeito à vontade do Investidor? Simplesmente não há! A substituição abrupta do AAI sem sua concordância simplesmente fere direitos básicos garantidos no Código de Defesa do Consumidor e outros mais graves como o sigilo bancário (e se o Investidor não queria que outro AAI tivesse acesso aos seus investimentos?).
Essa prática é extremamente prejudicial para o mercado, fere diretamente a imagem de toda a cadeia de fornecedores (Plataforma – Sociedade de AAIs – AAI) e tira toda a credibilidade daqueles que pregam liberdade econômica, desbancarização e livre concorrência.
Tais cláusulas não são ilegais nem imorais, mas o seu uso indiscriminado é, de modo que é necessária a revisão dessa prática urgente, por todos os players do mercado. Ora, AAIs ingressam e se retiram de Sociedades de AAIs o tempo todo, sendo natural que um determinado profissional AAI, após passar algum tempo trabalhando em uma Sociedade de AAIs, não se adeque ao ambiente, rotina e cultura daquela Sociedade, mas acabe se sentindo obrigado a permanecer trabalhando nela por causa das consequências nefastas que a saída possa causar em sua carreira, ou seja, permanece na Sociedade de AAIs mesmo estando infeliz, o que obviamente impacta diretamente na qualidade de serviços que presta ao Investidor. Não permitir que este AAI se retire da Sociedade e ingresse em outra revela um lado maléfico deste mercado, que retira toda a autonomia que deveria ser própria da profissão da Agente Autônomo de Investimento.
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Vale dizer que o AAI que se retira de uma Sociedade de AAIs por quaisquer motivos, mas que mantenha uma boa relação com seus antigos sócios, pode ser a melhor ferramenta de captação de novos AAIs para sua antiga Sociedade, uma vez que o rompimento amigável da relação deixa a porta aberta para pensamentos como “Aquela Sociedade não tinha o meu perfil, mas tem tudo a ver com o perfil de um amigo que está querendo mudar de Sociedade ou ingressar no mercado agora”. Na hipótese de um rompimento amigável desta relação, é possível que até mesmo o AAI que um dia se retirou queira retornar após ter tido experiências em outras Sociedades.
O uso das cláusulas de “não competição” e “não aliciamento” deve ser inteligente e guardado para sócios que realmente detenham alguma participação estratégica para a Sociedade de AAIs, como gestores de equipes e de filiais, ou sócios fundadores com participação societária elevada. Aos AAIs que exercem precipuamente a função de AAI, atendendo os clientes que captou com esforços exclusivos, o justo seria a imposição de devolução de eventuais investimentos pela Sociedade de AAIs (Dividendos Prioritários, por exemplo) com uma multa aplicada sobre este valor, que seja razoável.
Os artigos publicados nesta página não refletem necessariamente uma opinião da CRC!News.
Texto escrito por Sérgio Pittelli, sócio da Pittelli Advogados Associados e publicado publicado na edição 64 da revista CRC!News, acesse e leia os principais destaques do setor.