Nos últimos meses, duas das três principais certificadoras do setor de assessorias de investimento anunciaram mudanças em seus exames. A primeira foi a Ancord (Associação Nacional das Corretoras de Valores), que em setembro do ano passado revelou em primeira mão à CRC!News a intenção de modificar o conteúdo das provas.
Já em 1º de maio, foi a vez do exame CFP® (Certified Financial Planner), aplicado pela Planejar, que elevou o nível das questões (confira os destalhes na edição da semana passada). Agora, Carlos André, novo presidente da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), afirma que a entidade também deve seguir a tendência de adequar o conteúdo das suas certificações, incluindo, entre outras coisas, perguntas relacionadas ao tema sustentabilidade.
“Vamos adaptar as nossas certificações para essa nova realidade da distribuição. Um trabalho estrutural, de longo prazo, mas que começa com um mapeamento geral de como está a cadeia hoje e quais as funções dos profissionais”, destaca André em entrevista exclusiva à CRC!News.
O novo mandatário, que tomou posse no último dia 10 de maio, elenca suas prioridades para os próximos dois anos de gestão e indica que, com o fim da exclusividade na relação entre assessor e plataformas, atualmente em discussão no âmbito da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), é o profissional quem deve ser “responsável por adotar seus próprios controles, limitando as responsabilidades das casas que atuam com eles”. Confira:
Quais desafios você projeta para os próximos dois anos à frente da Anbima?
Além de dar continuidade ao trabalho realizado pela gestão anterior, a nova Diretoria assume também o desafio de liderar a Associação num momento de muitas transformações para o mercado de capitais e para a economia brasileira. Redobraremos os esforços para aproximar cada vez mais todos os associados e, ao mesmo tempo, trazer novos players, como as fintechs e plataformas digitais, que trazem visões, pontos de vista e práticas diferentes para enriquecer o debate em prol da evolução do nosso mercado.
Quais serão as prioridades da sua gestão?
Na autorregulação e na regulação há discussões importantes pela frente, algumas que já começamos, como a agenda de aconselhamento financeiro, a autorregulação de ativos digitais na indústria de fundos e o relacionamento das instituições da cadeia de distribuição com os influenciadores de investimentos.
A agenda de sustentabilidade também está entre as prioridades. Avançamos bastante com pesquisas, diagnósticos e com o lançamento da classificação de fundos e gestoras ESG. Em outra frente, os aspectos sociais ganharam espaço na nossa agenda, especialmente com o intenso debate sobre desigualdade e preconceito que tomou conta da opinião pública. Atuaremos na criação de uma rede para troca de experiências, definição de boas práticas e debate sobre iniciativas.
Outra prioridade está relacionada com a área de Educação, seja com foco no investidor ou para profissionais de mercado. Vamos adaptar as nossas certificações para essa nova realidade da distribuição. Um trabalho estrutural, de longo prazo, mas que começa com um mapeamento geral de como está a cadeia hoje e quais as funções dos profissionais.
De que maneira sua gestão deve buscar maior diálogo com as assessorias de investimentos?
Olhamos para os assessores de investimentos como integrantes da cadeia de distribuição de produtos financeiros. Esses agentes não estão sob o guarda-chuva de autorregulação da Anbima. Eles atuam como prepostos das instituições financeiras que seguem nosso Código de Distribuição, que são o foco das nossas regras, mas indiretamente elas os alcançam.
Uma das iniciativas do planejamento estratégico da Anbima para 2022 é definir melhores práticas para a atividade de aconselhamento de investidores, pensando nas diferentes formas que ela se dá e nas estruturas de mercado em que acontece, como distribuição, gestão e consultoria. Essa prática engloba diversos profissionais do mercado, tais como os assessores de investimento, e é por meio dela que devemos nos aproximar desses atores. As discussões estão começando e devem avançar no segundo semestre.
Quais demandas você identifica junto às assessorias e de que maneira buscará solucioná-las durante seu mandato?
A principal demanda da Anbima em relação aos assessores de investimentos é referente à melhor definição dos papéis e responsabilidades dos agentes da cadeia de distribuição. Com o ciclo de queda da taxa de juros de 2017 a 2020, os investidores foram em busca de diversificação e em direção a produtos mais complexos, passando a demandar cada vez mais por um aconselhamento financeiro. Isso contribuiu com a evolução da atividade de distribuição e com o próprio crescimento do mercado.
Nesse cenário, diversos profissionais, como os assessores de investimentos, passaram a realizar atividades além do escopo de atuação regulado. A própria CVM notou isso e abriu, no ano passado, uma audiência pública para rever as normas sobre esses players. Na ocasião, enviamos uma série de sugestões ao regulador.
Propusemos que os assessores apliquem as práticas de suitability (processo de análise de perfil do investidor) feito pela instituição financeira a qual eles estão vinculados na hora de recomendar produtos aos clientes. Considerando a determinação do regulador sobre o fim da exclusividade desses profissionais, também indicamos que eles sejam responsáveis por adotar seus próprios controles, limitando as responsabilidades das casas que atuam com eles. Vamos acompanhar a publicação da regra pela CVM neste ano e auxiliar o mercado caso haja demandas específicas de adaptação às normas.
Está em discussão no Congresso a criação de um marco regulatório para o setor de criptoativos no Brasil. Como vê o projeto em andamento e quais os desafios para se ampliar esse mercado no país?
É importante a criação de um arcabouço regulatório para dar segurança ao segmento de ativos digitais, que já existe há anos e é pulsante. A Anbima entende que esse é um mundo novo e envolve não só os ativos digitais, mas uma série de inovações. Por conta disso, temos uma agenda com foco em finanças descentralizadas e nos usos da tecnologia blockchain nos mercados financeiro e de capitais. A intenção é olharmos o que está acontecendo aqui e lá fora e auxiliar nossos associados a compreender essas inovações e as implicações desses novos jeitos de fazer finanças. A pauta tem três frentes: produção e disseminação de conteúdo sobre o assunto; construção de conhecimento; e disseminação.
Uma das partes desse projeto é a criação de regras, via autorregulação, para fundos que têm ativos digitais em suas carteiras. Recentemente, a Anbima fez um levantamento destes fundos: o patrimônio líquido deles teve alta de cerca de 800% entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2022, saltando de R$600 milhões para R$4,8 bilhões. Ou seja, o interesse por criptoativos é crescente. Queremos observar esses papéis da mesma forma que olhamos os demais que compõem a carteira dos fundos, visando a diligência necessária a favor da transparência. Temos um grupo de trabalho para debater e as regras devem entrar em audiência pública para recebimento de sugestões do mercado no segundo semestre.
Outra demanda do mercado é por uma maior regulamentação e padronização das normas ESG. Como você vê esse tema?
A inclusão dos fatores ESG nas análises de investimento é questão de sobrevivência dos negócios. Eles devem, cada vez mais, ser incorporados junto com as demais avaliações, como risco, crédito e liquidez. A necessidade de um olhar mais atento para essas questões é urgente e o mercado de capitais tem papel relevante para contribuir com essa agenda.
Quais são os desafios?
No ano passado, fizemos uma pesquisa sobre sustentabilidade com os players e eles apontaram algumas dificuldades para avançar nesta pauta. Uma delas é a ausência de critérios e padrões a serem seguidos na hora de implementar as práticas ESG. Outra é o desafio de traduzir as referências internacionais para a nossa realidade, que não se aplicam 100%. A existência de diversas métricas, réguas e rankings também é vista como um entrave, uma vez que elas podem mais confundir do que ajudar. É notado, ainda, um entendimento distorcido sobre o que é sustentabilidade – muitas vezes confundida com filantropia.
O que a entidade tem feito?
Atenta a essas demandas, a Anbima publicou, via autorregulação, regras para identificação dos fundos sustentáveis – neste momento de ações e renda fixa. Aqueles que têm como propósito serem 100% sustentáveis podem usar o termo IS (Investimento Sustentável) no nome. O próximo passo é expandir esse reconhecimento para os FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), para os FIPs (Fundos de Investimento em Participações) e para os multimercados.
Temos também outras ações com foco na disseminação de conhecimento sobre a sustentabilidade. É o caso da inclusão do assunto nas provas das certificações da Anbima voltadas para os profissionais de distribuição do mercado e o lançamento de um curso gratuito que apresenta o impacto das boas práticas ESG no mundo dos investimentos.
Entrevista publicada na edição 37, leia mais destaques do setor de assessores de investimentos na revista CRC!News.