A partir desta quinta-feira, 1º de setembro, a XP irá suspender por um prazo de seis meses a regra conhecida como “haircut”. Embora a empresa tenha se negado a comentar o tema ao ser procurada pela reportagem via assessoria de imprensa, a medida foi confirmada por vários escritórios e profissionais vinculados à rede. Alguns deles preferiram, no entanto, permanecer no anonimato.
Em vigor desde março de 2021, o “haircut” determina que 75% das comissões das pessoas que trocam de assessor dentro da rede XP fiquem por dois anos com o antigo profissional responsável por seu atendimento.
A medida foi criada para inibir a competição por um mesmo cliente no interior da rede, mas acabou gerando efeitos não previstos, como mudar a balança de poder entre assessores de investimento e donos de escritório. Além disso criou uma dinâmica inversamente meritocrática, limitando a receita de escritórios em crescimento e dos ingressantes na carreira. Somadas, essas consequências tornaram a regra impopular entre parte dos profissionais e empresários.
“Em um mundo de opções muito parecidas, o que faz a diferença é a qualificação e a bagagem do assessor na hora do atendimento. Para os profissionais que buscavam essa excelência gerou uma limitação dentro da corretora”, conta Luciana Ikedo, assessora de investimentos vinculada à XP, em entrevista à CRC!News.
Para ela, o efeito esperado de inibir a migração de clientes dentro da rede não se concretizou, pois a informação de que a pessoa é atendida por outro profissional geralmente surge apenas em um segundo momento. Por isso, ela conta que a adoção da medida em 2021 trouxe um impacto mais negativo do que positivo.
“Você não consegue olhar para as pessoas e dizer se ela já é atendida. Isso aparece durante a conversa. Não adianta ter uma cláusula protetiva, pois o cliente é sempre soberano. Se ele não está satisfeito, vai querer trocar. E o assessor não vai se negar a atender porque existe uma regra que limita sua remuneração”, resume
Especialista em treinamento de performance para assessores, Bruno Ramacini atuava em um escritório da XP até três semanas atrás e divide um pouco dos impactos que a medida trouxe. “Muito cliente reclamava de receber ligações de cinco assessores diferentes assediando. O canibalismo é ruim, mas a forma como a regra foi feita gerou insatisfação, principalmente entre quem está no início da carreira e precisa prospectar. Começou a inviabilizar muitos assessores no mercado. E também teve profissional que se acomodou, pois perder o cliente deixou de ser problema, afinal ele continuava recebendo 75%”, relata em conversa com a reportagem.
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Balança desequilibrada
Eduardo Siqueira, sócio-fundador da Acqua Vero, escritório que no ano passado migrou da XP para o BTG, comenta que a medida também mudou a balança entre assessores e líderes de escritório. Se antes o profissional tinha maior força para negociar aumento nos repasses, com o “haircut” o poder foi para os donos. Isso acontecia porque, ao trocar de assessoria, o processo de transferência dos clientes fazia com que suas comissões também entrassem na regra, e 75% dos ganhos ficavam com a antiga empresa.
“Impactava bastante na receita do assessor. Até então, as pessoas migravam livremente de escritório, mas a mudança deixou o pessoal muito acuado e perdeu-se essa facilidade de movimentação. Já o gestor podia cobrar mais firmemente o assessor que não estava rendendo, pois sabia que iria manter a maior parte do faturamento em caso de saída”, diz sobre sua experiência enquanto integrava a rede da XP.
Diante desta situação, os assessores tinham duas opções para evitar sofrer o corte: ou permaneciam no escritório de origem, ou migravam para uma plataforma concorrente. Ou seja, o próprio “haircut” passou a estimular que profissionais deixassem a rede XP.
Por fim, a regra começou a gerar insatisfação até mesmo entre alguns donos de escritório, especialmente aqueles em crescimento. Com a necessidade de ampliar a equipe para dar conta da demanda, os assessores contratados traziam apenas parte da receita dos clientes, criando uma dinâmica inversamente meritocrática: empresas que cresciam ganhavam menos, e empresas em declínio mantinham boa parte das comissões dos clientes perdidos.