Nos últimos anos, a popularização do acesso fez com que um volume cada vez maior de pessoas tivesse contato com as mais diferentes formas de investimento, incluindo o mercado de crédito privado. Porém, umas das dificuldades de quem investe neste ramo está em obter uma noção mais precisa do valor dos títulos no mercado secundário, ou seja, antes do vencimento. Mas uma resolução da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) deve mudar essa realidade a partir de 2023, impactando diretamente no trabalho do assessor e na sua relação com o cliente.
A nova norma da entidade, presente no escopo das Regras e Procedimentos para apuração dos valores de referências, determina que títulos de dívida privada, incluindo debêntures, CRIs e CRAs, sejam marcados a mercado mensalmente a partir de 2 de janeiro de 2023. Na prática, o investidor passa a ter acesso às oscilações de preço dos ativos, o que dá uma dimensão mais realista dos valores caso a pessoa deseje sair da operação antes do vencimento.
Segundo Roberto Carline, sócio fundador da AFS Capital, a mudança pode até gerar algum desconforto em um primeiro momento, mas o efeito de trazer maior transparência será benéfico ao mercado. “Hoje, quem compra Tesouro Direto vê o valor dos títulos flutuando diariamente. Mas isso não acontece no crédito privado. A pessoa não consegue ter uma noção exata do risco de mercado. Ao divulgar a precificação, ficará claro para todos que a renda fixa só é fixa se levada até o vencimento. Para quem resolve sair antes, ela flutua”, opina em entrevista à CRC!News.
O analista de investimentos da SVN Pedro Tiezzi acredita que a decisão pode ter um impacto grande no mercado caso o investidor seja pego de forma desprevenida. “Esse tipo de papel, que até então era tido como de baixíssima volatilidade, agora vai ter uma dinâmica um pouco diferente. Para evitar esse choque, temos preparado nosso cliente e nosso assessor. A ideia é explicar que isso pode ser uma coisa positiva sob muitos aspectos”, revela Tiezzi.
Carline acredita que a divulgação regular dos preços resultará em uma mudança no comportamento de ambos os lados do balcão. Para ele, ainda que a flutuação já ocorra na prática, isso ainda não fica claro para o cliente, e a abordagem sobre o produto acaba tratando apenas de temas como taxa, rating, indexador e vencimento do papel.
“Quando questionado sobre a possibilidade de sair antes, o assessor apenas explica que a liquidez é a mercado. Entretanto, a partir do momento em que cliente começar a receber informes mensais com flutuações, a pergunta ‘o que aconteceu?’ será cada vez mais frequente. Para respondê-la, o profissional precisará se reeducar para ser mais diligente na forma como dá a orientação sobre o produto, acrescentando na conversa temas como spread de crédito”, prevê.
“Por um lado, o investidor vai perder aquela falsa sensação de segurança de que a carteira não estava tendo nenhuma novidade, pois ele pode até se deparar com um prejuízo. Por outro, a pessoa vai conseguir ter uma sensibilidade muito maior de que um ativo está barato porque ela passa a enxergar uma queda de preço do mercado, por exemplo. É exatamente como funciona com as ações hoje”, acrescenta Tiezzi.
Condições iguais
Se para as pessoas físicas a marcação a mercado será uma novidade, Marcos Iório, gestor da Integral Investimentos, explica que isso já é uma realidade há tempos no caso dos fundos. “Quando uma empresa que era triple A é rebaixada para A, seu papel sofre esse impacto. Saber isso traz maior transparência para todos. Com o tempo, a mudança deve se refletir em maior liquidez, porque estamos criando boas condições para que mais pessoas entrem no mercado”, afirma.
Já Tiezzi acredita que a decisão da Anbima tornará mais justa a competição entre comprar um ativo de crédito ou investir num gestor. “No fundo de investimento, você tem uma variação em tempo real da cota conforme o mercado fica otimista ou pessimista. Na pessoa física isso não acontece, o que é bem injusto com os fundos”, aponta.
Inicialmente, a divulgação dos valores dos ativos será mensal. Contudo, com a ampliação do mercado e um maior volume de negociações, os especialistas acreditam que ela pode vir a se tornar diária. “A falta de liquidez ainda é um limitador para termos a atualização todos os dias. Mas só de ser mensal já é um avanço, e será um processo importante para que todos se acostumem com o novo sistema. Nossos reguladores têm sido muito cuidadosos em implementar o que é correto e faz sentido para o investidor, mas com o cuidado de não trazer um ruído desnecessário de mercado”, encerra Carline.
Matéria publicada na última edição da revista CRC!News, acesse aqui para ler a edição completa.