Nos últimos dias, a Binance, principal corretora de criptos do planeta, anunciou a entrada de Henrique Meirelles para o seu conselho consultivo. O ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda recebeu o time da CRC!News em sua residência em São Paulo e revelou os planos da empresa. Entre eles está o de criar uma regulação global sobre o tema, detalha como será sua participação neste processo e fala sobre a necessidade de se investir em segurança para disseminar o uso de ativos digitais no Brasil e no mundo.
Para Meirelles, “a prioridade é dar segurança e popularizar será uma consequência natural. Se a moeda é rápida, eficiente do ponto de vista operacional e tem segurança, as pessoas vão começar a usar, os jornais vão divulgar e o processo cresce”.
Confira os principais trechos da conversa.
O senhor foi escolhido recentemente para integrar o conselho consultivo da Binance. Como foi esse processo?
Trabalhei a maior parte da minha vida no setor privado dentro do Bank of Boston. No fim dos anos 1990, tive a experiência de criar um dos dois primeiros internet bankings dos Estados Unidos. Criei um em Massachussets, e outro foi feito pelo CitiBank, em New York. A tecnologia na época era outra, o máximo que se conseguia fazer era conta corrente. Mais tarde, depois que deixei a presidência do Banco Central, orientei através de uma consultoria a criação do Banco Original, o primeiro banco completo digital do Brasil. Então, eu já tinha duas experiências importantes na área. Depois de concluir a missão com o governo Dória, em São Paulo, achei que era o momento de voltar ao setor privado. Fui convidado para entrar para o conselho global da Binance e aceitei. Tivemos a primeira reunião do conselho presencial
em Paris em 1 e 2 de setembro, onde conheci os demais membros e inclusive o fundador da Binance, que é a maior corretora de criptomoeda do mundo.
Mas por que optou por entrar nesse mundo das criptomoedas?
Entrei nesse mercado porque é a nova etapa da evolução digital no mundo financeiro. Qual o próximo grande passo? É necessária uma regulamentação, e tenho experiência grande nisso. Fui do conselho diretor do Banco da Basileia, que é o Banco Central dos Bancos Centrais, exatamente quando houve a crise dos imóveis nos Estados Unidos. Como eu tinha sido presidente de um banco americano, entendia exatamente quais eram as razões da crise. Era uma falha da legislação americana por meio da qual um banco podia dar uma carta de fiança e assumir risco de crédito sem registrar no balanço. O nível de endividamento cresceu muito e não estava registrado nem fiscalizado pelas autoridades, formando uma bolha. Participei da formatação de um projeto de regulamentação para o mercado financeiro e essas sugestões foram acatadas pelo governo americano.
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Como você vê as discussões sobre a legislação de criptos no Brasil?
Se você pega uma moeda qualquer, como o Euro, a finalidade principal é ser um meio de pagamento. Agora, nada impede que o investidor especule com Euro. Você compra, deixa em um banco qualquer, e o Euro sobe ou desce de valor frente às demais moedas. A questão da criptomoeda é que ela passou a ser vista no Brasil como só isso: um ativo financeiro que sobe e desce com muita volatilidade. Mas sua finalidade principal é ser um meio eletrônico de
pagamento rápido e eficiente.
Quando eu estava no Banco da Basileia, teve um jantar no qual o então presidente do BC americano, Alan Greenspan, fez uma pergunta retórica: qual é a finalidade do mercado de câmbio? Todos responderam algo como “equilibrar o fluxo de moedas”. Ao final, o Greenspan afirmou que a finalidade do mercado de câmbio é manter a humildade dos participantes do mercado, dos economistas e dos banqueiros centrais. O que ele quis dizer com isso? Que o mercado de câmbio é imprevisível. E estamos falando de Dólar, Euro. Com as criptos é a mesma coisa, a questão da oferta e demanda define o valor dela frente às demais moedas do mundo.
O que o conselho da Binance vai debater?
A proposta do conselho é exatamente criar, juntamente com os BCs, uma regulação global. A Binance não é necessariamente uma emissora dessas moedas, é uma corretora. Então quanto mais seguro o mercado for, melhor para ela. Quanto mais essa moeda for usada em transações comerciais, melhor. Hoje demora um bom tempo no sistema tradicional para fechar um contrato de câmbio. Na criptomoeda, você pode completar uma transação, fazer remessas, em questão de segundos. A questão é como conseguir dar a ela a garantia que o Brasil já tem com o Real. Uma das razões para me convidarem é que quando presidente do BC patrocinei a lei de prevenção à lavagem de dinheiro, que deu a responsabilidade ao banco e aos funcionários do banco para garantir a origem dos recursos.
Por onde deve começar essa regulamentação global?
Já existem avanços em Singapura, França está avançando. Mas ainda não temos um modelo definido. A finalidade do conselho será trazer tudo isso e estabelecer o plano de trabalho. Tenho agora a primeira reunião estratégica para definirmos os próximos passos para o Brasil. A questão da prevenção à lavagem de dinheiro é mais fácil de fazer na criptomoeda do que no Real. O Real precisa chegar no banco, levantar uma série de documentações. Na cripto, a cadeia inteira está ali. A ideia é fazer o uso dessa tecnologia de maneira produtiva para a sociedade de modo que a moeda venha a ser usada pela população como meio de pagamento.
Como é algo novo e não tem regulamentação no momento, acontecem problemas. Da mesma forma como aconteceram com o Real lá atrás antes de termos uma regulamentação adequada.
Como vai ser esse plano de trabalho? Há a previsão de o senhor fazer um trabalho de campo junto ao Congresso para tratar da legislação em um segundo momento?
Trabalhar junto ao Congresso faz parte da estratégia a ser definida. Primeiro vamos encontrar qual a proposta que oferece mais segurança para aí sim sair com ela. A ideia não é defender a criptomoeda, mas uma regulamentação eficaz. Vamos apresentar as conclusões que chegamos no Brasil em relação à regulamentação na próxima reunião do conselho da Binance, que será em dezembro, e os outros países também farão o mesmo.
Quando o senhor fala em regulamentar e trazer segurança, a ideia é popularizar a criptomoeda? Como fazer isso?
Não tenho a ideia de que a prioridade é popularizar. A prioridade é dar segurança e popularizar será uma consequência natural. Se a moeda é rápida, eficiente do ponto de vista operacional e tem segurança, as pessoas vão começar a usar, os jornais vão divulgar e o processo cresce.
Chegará o dia em que vamos usar a criptomoeda da mesma forma como usamos hoje o pix?
Sim, sem dúvidas. Ela é mais eficiente e mais rápida do que o pix, inclusive.
Texto publicado na edição 52 da revista CRC!News, acesse e leia a edição completa.