Após um breve período de calmaria ao fim do segundo turno, o mercado voltou demonstrar certo nervosismo nos últimos dias com a evolução dos debates sobre a PEC de Transição. O projeto, entre outras medidas, prevê retirar as verbas destinadas ao Bolsa Família do teto de gastos, o que representaria um aumento anual de despesas perto de R$200 bilhões. Para entender os impactos que a medida pode gerar na economia, a CRC!News conversou com representantes de dois escritórios de investimentos. Veja a seguir.
Rodrigo Santos, head de alocação de produtos da InvestPartner, escritório vinculado à XP
Por que o mercado tem se mostrado tão sensível às discussões sobre a PEC da Transição?
A possibilidade de mais gastos gera incerteza em relação ao pagamento da dívida pública, pois quando os riscos se elevam, os investidores pedem juros maiores para emprestar ao governo. Isso gera mais inflação, que por sua vez resulta em menor crescimento da economia e corrói o poder aquisitivo das famílias, especialmente as de menor poder aquisitivo. Não sabemos ao certo qual será o tamanho dessa PEC nem por quanto tempo ela vai valer. Mas o risco de termos muitos gastos desancora as expectativas para o futuro.
Quais os pontos que mais preocupam na proposta apresentada?
Ter o Bolsa Família fora do teto por um ano, o mercado entende que tudo bem. Mas se for por tempo indeterminado, preocupa. Como vamos lidar com isso? Além da PEC, também precisamos entender que existem outros fatores fazendo preço na bolsa, como as falas do novo governo, que vem sinalizando direções ruins, e as indicações para ministro. O mercado não olha bem para um nome como o Haddad, por exemplo.
Qual a melhor estratégia de investimentos diante deste contexto? Quais setores da economia tendem a se sair melhor?
Não vejo nenhum setor da economia se beneficiando no médio e longo prazo, pois a inflação deve corroer o poder aquisitivo dos mais pobres, que seriam beneficiados pelas medidas da PEC. Dada a incerteza do momento, a melhor opção é alocar em CDI. Dentro da renda fixa, vemos uma tendência de reduzir a exposição no prefixado e aumentar no pós que acompanha Selic ou CDI.
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Ale Boiani, CEO e fundadora do 360iGroup, escritório vinculado ao Safra Invest
Por que o mercado tem se mostrado tão sensível às discussões sobre a PEC da Transição?
O mercado tem ficado receoso com o que chamam de “licença para gastar”. O aumento dos gastos públicos e a retirada da verba principalmente do Bolsa Família de dentro do teto de gastos implicaria em um aumento de R$200 bi na despesa do governo. Isso aumenta a insegurança quanto ao endividamento público e o controle da inflação.
Quais os pontos que mais preocupam na proposta apresentada?
A responsabilidade fiscal, principalmente. Não está claro quem será o responsável pela equipe econômica, assim como qual será a estratégia para que a dívida pública não fique fora de controle, nem de o que vai ser utilizado como âncora. De certa forma, antes das eleições o mercado estava prevendo crescimento do PIB e redução do IPCA, assim como da taxa de juros. Tivemos um controle fiscal bastante rígido na pandemia, resultando em superávit no país em um momento em que boa parte do mundo passa por dificuldades com inflação e outras questões macroeconômicas. Após as declarações de Lula e apresentação da PEC, cresce o receio de que este cenário mude, principalmente pelo viés do governo ser mais expansionista, o que teoricamente favorece ao descontrole inflacionário.
Qual a melhor estratégia de investimentos diante deste contexto? Quais setores da economia tendem a se sair melhor?
Com o que tem sido dito, é plausível se esperar um governo com foco voltado para o social, principalmente em questões de habitação, saúde e educação. O setor bancário também historicamente tem boa performance no Brasil com o viés econômico esperado do próximo governo.
Texto publicado na edição 62 da revista CRC!News, acesse e leia os principais destaques do setor.