Nas últimas semanas, uma decisão da CVM negando o direito ao anonimato de um grupo de investidores que alugou cotas de um fundo imobiliário gerou apreensão no mercado. Chamou a atenção a quantidade incomum de cotas alugadas às vésperas da convocação de uma assembleia, gerando desconfiança em relação aos interesses por trás do movimento, que poderia caracterizar uma prática predatória visando mudanças na gestão do ativo que não reflitam os reais desejos dos cotistas.
Em entrevista exclusiva à CRC!News durante a celebração dos 50 anos da Ancord na última terça (16), Otávio Yazbek, sócio da Yazbek Advogados, professor do Insper e ex-diretor da CVM, esclarece os principais riscos que este tipo de conduta traz para o mercado e fala da importância do papel do assessor de investimentos para analisar estes cenários e orientar sobre riscos que o cliente dificilmente consegue perceber ao acompanhar os ativos de sua carteira. Confira.
Recentemente tivemos um movimento de aluguel de cotas de um FII às vésperas da convocação de uma assembleia. Quais riscos isso representa para o mercado?
O movimento de convocação de assembleia para eventual troca de gestor ou de administrador é algo natural, regular. Não tem nada de errado nele a princípio. Mas quando isso se baseia em um movimento muito grande, muito acentuado de aluguel de ações, começam a surgir desconfianças. Será que existe uma preocupação na base de cotistas de que aquele fundo está sendo mal gerido? Ou será que existe um movimento artificial, às vezes estimulado por influências, simplesmente para fazer uma movimentação e trazer um novo gestor sem isso ser uma verdadeira preocupação dos cotistas? E aí tem um segundo problema. Em muitos casos, os cotistas que chamam a assembleia pedem para ficar em anonimato. Será que eles eram de alguma maneira relacionados ao novo gestor? Ou será que eles eram cotistas verdadeiramente interessados em melhorar as condições do fundo? O grande problema do aluguel é criar uma base de cotistas que talvez não seja verdadeira.
É possível combater esse tipo de prática com regulação?
É muito difícil tratar disso por regulação porque o aluguel de cotas no Brasil transfere a propriedade da cota, como acontece com as ações. A CVM pacificou isso há muito tempo. Em princípio, o detentor, em razão do aluguel, pode votar. No entanto, existe a possibilidade de se enfrentar isso a partir de regras de conflito de interesse. Se eu identificar que os cotistas que alugaram são cotistas provisórios, que atendem ao interesse do novo gestor, eventualmente isso pode ser desconstruído. Também é importante pensar no ponto de vista da autorregulação. Será que eu não tenho que pensar em regras éticas que se apliquem a esse tipo de conduta no mercado? Porque essa é uma conduta que pode ser muito danosa e gerar práticas predatórias entre os fundos. Transferência de gestor e de administrador pode ser boa e saudável. O complicado é quando se usa esse tipo de mecanismo pouco transparente e artificial.
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É ilegal essa prática ou é um problema de ética?
É um problema mais de ética, de conduta de mercado e de concorrência desleal. Não existe em princípio uma ilegalidade absoluta em tomar emprestado para votar. Agora, pode existir uma irregularidade se houver um conflito claramente identificado. Mas existem tantas barreiras para identificar isso que abre-se espaço para uma conduta predatória.
Qual a dificuldade para o investidor comum perceber esse tipo de movimento feito às sombras e qual papel o assessor de investimentos pode ter para ajudar nesse sentido?
Esse é um ponto muito importante porque, sobretudo quando a gente fala de fundo imobiliário, tratamos de veículos extremamente pulverizados. E o investidor comum é muito passivo. Ele não enxerga a base de cotistas e não tem condição de ver o movimento que está acontecendo no mercado. Na verdade, muitas vezes ele nem vai à assembleia. Então o assessor de investimento pode ser extremamente importante para ajudar o investidor a enxergar o que está acontecendo com o fundo. Já ouvi muitos investidores recentemente reclamando: “poxa, meu fundo mudou de gestor, eu não sabia o que estava acontecendo”. Ninguém sabe quem convocou a assembleia. Será que essa falta de transparência é boa? Na verdade, aqui pode haver melhorias da regulamentação. Você pode exigir mais transparência no processo. Mas o grande ponto é que o investidor precisa de alguém que dê suporte e o ajude a compreender o que está acontecendo. A gente teve uma mudança de perfil dos agentes autônomos nos últimos dez anos. Eles passaram de uma espécie de subpastinha, de pessoas que agiam com muito conflito de interesse em um ambiente que era faroeste, para elementos essenciais que se organizam hoje de forma empresarial. São eles que trazem os clientes e ganham sua confiança. Será que não é importante que eles também acompanhem o investimento do cliente e sejam capazes de apontar esse tipo de problema? Esse é o papel do bom assessor de investimento.
Nesse caso, houve o entendimento de não se reconhecer o anonimato. Essa decisão pode ser estendida a outras situações semelhantes?
Foi uma decisão da área técnica da CVM. Em princípio, é passível de recurso por colegiado, mas eu não acredito que possa reverter a interpretação por um motivo muito simples. Em sociedade anônima já é assim. O detentor de ações tem sigilo, mas o acionista que pede uma assembleia porque tem uma parcela suficiente de ações é obrigado a se identificar. Não faz nenhum sentido que você queira afetar a vida dos demais, traga uma proposta que muda a natureza do investimento, e ao mesmo tempo queira se beneficiar da confidencialidade.
Texto publicado na edição 48 da revista CRC!News, acesse e leia as principais notícias do setor.