Nos últimos dias, uma mudança na metodologia utilizada pela B3 para apurar o fluxo de capital estrangeiro no mercado secundário do país fez com que os valores referentes a 2021 fossem revisados, passando de um saldo positivo de US$72 bilhões para negativo em US$7 bilhões. Na visão de players consultados pela CRC!News, a mudança gera apreensão pela guinada brusca dos números, podendo, inclusive, abalar a confiabilidade das informações fornecidas pela bolsa no curto prazo. Apesar disso, os especialistas não acreditam que a nova leitura deve alterar significativamente a recomendação de investimentos no país.
“Acho que a principal consequência é uma perda de reputação da própria B3, especialmente no caso do investidor institucional estrangeiro. Mesmo com esse erro, nossa bolsa ainda é muito forte em tecnologia, temos que tirar o chapéu. Mas o acontecimento mostra que ter uma única instituição no país não é positivo nem em termos de custos nem de variedade de fontes de dados. Acabamos dependendo apenas de um lugar”, diz Caio Tonet, sócio fundador e head de renda variável da W1 Capital.
Mesmo que a revisão periódica de dados seja comum na bolsa nacional, é a primeira vez que a prática resulta em uma alteração tão significativa nos dados, o que pegou o mercado de surpresa. “Avaliamos como um erro grave. Isso assusta tanto a gente enquanto operadores, por gerar insegurança, quanto o cliente para quem essa informação estava sendo vendida, além de mostrar a carência do Brasil em termos de concorrência para a B3”, argumenta Anderson dos Anjos, CEO da Topo Investimentos.
Um dos pontos mais preocupantes levantados pelos players é que muitos profissionais estavam orientando investimentos com base na crença de que o país recebia capital estrangeiro ao longo do ano passado, o que se mostrou equivocado com a nova versão dos números.
“É um dado que tem peso forte e sinaliza para os demais participantes do mercado em que direção está indo o dinheiro. Assusta um pouco mudar para o negativo e traz uma certa desconfiança. As pessoas vão passar a questionar se está correto agora, se há espaço para novas revisões, e antes não havia essa dúvida”, Armstrong Hashimoto, sócio e operador da mesa de renda variável da Venice Investimentos.
Já Victor Miranda, sócio da One Investimentos, concorda em relação ao abalo na confiança, mas não acredita que o problema volte a ocorrer. “Há risco de perder credibilidade, pois a bolsa passou uma informação que não estava correta e muita gente tomou como verdade e investiu. Mas se olharmos adiante, acredito que o problema foi corrigido e não deve se repetir, tanto é que já tivemos pregão com entrada de capital estrangeiro no país depois dessa divulgação. Estou partindo do pressuposto que a B3 aprendeu. É como um acidente aéreo. Quando acontece, todos redobram os cuidados e a falha não se repete”, opina.
Apesar da impressão negativa que a alteração dos dados deixou na maioria dos players, a nova metodologia adotada pela B3 foi vista com bons olhos por Uiara Barbosa, head da mesa de renda variável da Monet Investimentos. “A mudança trouxe surpresa, mas se considerarmos também o mercado primário, o fluxo de capital estrangeiro foi positivo em R$41 bilhões ao longo de 2021. Acho que essa nova forma de cálculo deixa tudo mais simples e transparente. Ainda que tenha causado polêmica, esse tipo de discussão é importante para o mercado evoluir”, argumenta.
Nova metodologia
A alteração nos dados foi motivada por uma nova metodologia aplicada pela B3 na apuração do fluxo de capital estrangeiro. Até então, a bolsa registrava como entrada as operações realizadas com aluguel de ações. Porém, como se trata de um recurso que já estava dentro do mercado, este capital deixou de ser considerado. Além disso, a instituição mudou seu entendimento sobre novas emissões. Antes, as IPOs eram contabilizadas quando se encerrava a oferta, ou seja, depois de seis meses. Agora, a B3 começou a sensibilizar esse volume dia a dia do mercado secundário.
Impacto limitado
Ainda que significativa, a mudança nos dados deve ter pouco impacto na recomendação atual de investimentos, segundo os players consultados. “Para o ano não muda muito, pois já está precificado. Não costumo usar esse fluxo da B3 como parâmetro, pois não dá para pensar em um número apenas. Prefiro acompanhar o índice dolarizado, e nesse caso vemos a bolsa brasileira descontada e performando muito acima dos pares”, afirma Anderson dos Anjos, da Topo Investimentos.
Na avaliação de Uiara Barbosa, da Monet Investimentos, existem bons motivos para o investidor olhar para o mercado nacional. “Fechamos 2021 com a bolsa valendo 8 vezes o preço que entrega. Nossa média histórica é de 11, enquanto os Estados Unidos fecharam o ano passado em 28. Ou seja, nosso mercado está bastante descontado, e outros emergentes que poderiam concorrer conosco enfrentam questões importantes, como a guerra na Rússia e a política rígida de lockdown na China”, aponta.
Caio Tonet afirma que a W1 Capital prefere fazer avaliações mais técnicas e de longo prazo, e por isso não costuma se apoiar em informações momentâneas como o fluxo de capital estrangeiro para vender produtos. “Olhando o contexto geral, não sentimos um impacto grande, pois existem outras coisas relevantes acontecendo, como juros nos EUA, inflação, guerra e eleição. Mas em um mercado mais estável, essa revisão poderia ter consequências mais drásticas”, acrescenta.
Para Hashimoto, da Venice Investimentos, mesmo sendo um dado que o investidor sempre olha, é preciso considerar que o recurso estrangeiro tende a ser usado a curto prazo nos países emergentes. “No primeiro trimestre tivemos muito ingresso, e agora vimos muitas saídas nas últimas semanas. Então do mesmo jeito que o dinheiro pode entrar rápido, ele sai também. Não deveria mudar muito o entendimento desse fluxo por conta do dado da B3. É algo importante, mas não determinante para onde se alocar o capital”, opina.
Procurados por meio dos contatos disponíveis, a B3 não retornou até o fechamento desta edição.
Leia esse e outros destaques do setor AI na edição 36 da revista CRC!News.