Anos atrás, poucos imaginavam que as compras do mercado poderiam ser feitas sem a necessidade de sairmos de casa, ou que iríamos solicitar um transporte pela tela do celular. Se a tecnologia vem mudando diferentes áreas de nossas vidas, com o mercado financeiro não seria diferente. Mais do que facilitar o acesso de investidores e agilizar transações, hoje existem recursos capazes de ampliar a capacidade de realização do homem nesse segmento. É o caso dos fundos quantitativos, que utilizam fundamentos de inteligência artificial e modelos matemáticos para analisar uma enorme massa de dados e, assim, automatizar decisões sobre a compra e venda ativos.
Em entrevista exclusiva à CRC!News durante o 11º Seminário Gestão de Investimentos nas EFPC, realizado no Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo, Sérgio Blank explica um pouco mais sobre o funcionamento deste tipo de produto. Sócio da Kadima Investimentos, gestora pioneira na implementação da modalidade no mercado nacional, ele detalha qual o papel do gestor na administração destes fundos, fala sobre as habilidades esperadas do profissional que deseja se especializar nesse segmento, e revela como homem e máquina conseguem unir forças para tomar as melhores decisões sobre investimento para os clientes.
O que diferencia o fundo quantitativo dos fundos convencionais?
Pelo menos no nosso caso, todas as decisões de compra e venda de quaisquer ativos são tomadas por regras previamente estabelecidas. Já no fundo tradicional, não é assim que funciona. Em geral você tem um gestor que analisa as informações disponíveis no mercado, o cenário econômico, a perspectiva da empresa, e toma uma decisão. No fundo quantitativo, você pega dados, coloca no modelo que está previamente programado, e é esse modelo que vai te dizer se você vai comprar, vender ou não fazer nada.
Você falou que as decisões sobre os fundos são tomadas segundo critérios previamente estabelecidos. Qual o papel do gestor nesse caso? Ele atua mais na montagem do algoritmo e na testagem?
O gestor do fundo quantitativo se confunde com a própria equipe de pesquisa. É ele quem monta os modelos matemáticos, e esse processo envolve muita pesquisa no sentido de analisar o passado, ter dados confiáveis, realizar a limpeza das informações, fazer o que chamamos de back teste, que é testar na sua base de dados do passado como aquele modelo se comporta, e aí sim decidir se o modelo é bom ou não para ser implementado dentro do fundo. Uma vez que essa decisão tenha sido tomada, as decisões de compra e venda são tomadas de maneira automática. Isso não quer dizer que o modelo vai funcionar para sempre. Você precisa de uma revisão periódica. Quando um modelo matemático atua no mercado, ele está explorando uma certa ineficiência. Pode acontecer de essa ineficiência com o tempo ser corrigida, e o modelo parar de funcionar. Então, o gestor, o pesquisador do fundo quantitativo, precisa estar muito atento a acompanhar de perto a curva de resultados e o próprio mercado para saber se o modelo ainda está aderente.
Quais habilidades são esperadas do especialista que vai trabalhar com esse tipo de fundo?
A principal característica é entender bastante de estatística, de matemática. Habilidades de programação também são muito desejáveis, porque é a ferramenta utilizada nos testes. Não procuramos pessoas com algum tipo de background em teoria econômica. Queremos pesquisadores que consigam entender bem os dados, tratá-los e fazer as verificações.
Existe uma competição da tecnologia com o ser humano dentro desse fundo ou os trabalhos se complementam?
A tecnologia é uma ferramenta cada vez mais utilizada para esse tipo de gestão, pois elas estão ficando mais sofisticadas. Antes você testava poucos cenários, mas hoje consegue testar muito mais ativos ao mesmo tempo e descobrir muito mais coisas. A tecnologia é uma aliada, mas no final das contas é o ser humano quem tem as ideias do que testar.
Os últimos anos foram muito instáveis para o mercado. Como os fundos quantitativos têm performado neste cenário? A procura por eles têm aumentado?
Dentro da indústria de fundos quantitativos você tem diversos tipos de produto. Tem fundos de ações, tem fundos de renda fixa, tem fundos multimercado. Falando de maneira genérica, acho que existe uma tendência das pessoas ficarem cada vez mais acostumadas ao uso de tecnologia de ferramentas matemáticas nas suas vidas. Não somente no mundo das finanças. Hoje em dia você tem aplicativo que te traz comida em casa, aplicativo que usa para se locomover. Então é natural que a tecnologia também ajude a tomar as decisões financeiras. Nesse sentido, a gente vem observando um menor preconceito em relação a esse tipo de gestão.
O que muda na negociação, na venda como produto do fundo quantitativo na hora de oferecer para o cliente? Há uma desconfiança pelo fato de ser decidido por uma máquina ou isso é visto como algo positivo, por não ter ali a instabilidade de um elemento humano?
O mais importante é mostrar a transparência do produto. Mesmo sendo um fundo sistemático, há cenários melhores e piores, mas eles foram back testados. Todos os modelos que estão dentro do fundo são modelos que tem uma boa relação risco retorno em contextos bons e ruins. É importante ter transparência e controle de risco. Mostrar que mesmo que um robô fique maluco, existem várias camadas de controle que evitariam qualquer tipo de operação errada. Outra coisa importante é o histórico do fundo. Até pelo fato de ser uma tecnologia nova, um fundo com histórico muito grande ganha certa credibilidade, mostra que está no caminho certo. O fundo que está começando agora ainda vai ter que construir isso, pois não foi posto à prova.
Temos agora pela frente um contexto de instabilidade de eleição. É possível traduzir em um modelo matemático todas as incertezas que um cenário como esse pode trazer?
Os modelos matemáticos que nós da Kadima temos são back testados num prazo longo do passado. Esse prazo longo engloba momentos de otimismo, momentos de pessimismo, crises, eleições, impeachment. Então, quando colocamos um modelo dentro do fundo, temos a confiança de que mesmo em um cenário diferente ele vai performar com uma boa relação risco retorno. Não dá para ter um modelo especificamente desenhado para a eleição. O que a gente tem são modelos robustos o suficiente para conseguirem atravessar esse cenário ou qualquer outro parecido.
Como você projeta o futuro? A máquina deve substituir o homem nas decisões sobre investimentos?
Eu gostaria muito de responder que não, mas acho que a resposta é sim. Só que eu não vejo isso acontecendo tão cedo. Será algo para as futuras gerações.
Leia mais notícias do setor na Revista CRC!News, entrevista publicada na edição 39.