A falta de informações confiáveis sobre práticas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) aliada ao alto percentual de investidores que acredita que estes dados influenciam diretamente no desempenho dos ativos cria um cenário favorável para as empresas maquiarem suas informações. Esta é uma das principais conclusões trazidas pelos autores do estudo “A agenda ASG e o mercado de capitais”, divulgado na última quinta (26) pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que reforça a importância de maior educação financeira sobre o tema tanto para os clientes quanto para os assessores de investimento como forma de se evitar em armadilhas .
De acordo com o estudo, que reuniu respostas de 263 participantes a um questionário eletrônico com perguntas objetivas e qualitativas, 71,5% das pessoas utilizam os relatórios de sustentabilidade do próprio emissor do ativo como fonte principal na hora de orientar seus investimentos em ESG. Por outro lado, a mesma pesquisa revela que 54,4% dos investidores acreditam que os critérios ESG contribuem para o desempenho do ativo, mas 75,3% dos entrevistados consideram que os emissores não divulgam de forma adequada essas informações
O tema ESG vem ganhando destaque devido ao expressivo crescimento no volume financeiro dos investimentos sustentáveis globais, Segundo relatório da GRIS 2020, houve um aumento de 15% neste fluxo nos últimos dois anos (2018-2020) e de 55% nos últimos quatro anos (2016-2020), movimentando US$35,3 trilhões nos cinco principais mercados cobertos pelo documento (Austrália, Canadá, Europa, Estados Unidos e Japão).
Na avaliação de Bruno Luna, chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos, área da CVM responsável pela condução do estudo, esta situação cria um grande incentivo para as empresas manipularem suas informações de modo a passar a ideia falsa de que adotam práticas ESG com a finalidade de atrair investidores. “As pessoas se sentem inseguras e citam a importância do regulador fomentar a educação sobre o tema para evitar cair em golpes de maquiagem financeira. Por isso, hoje a grande preocupação dos reguladores ao redor do mundo é com relação a greenwashing”, explica em entrevista à CRC!News.
O relatório ainda acrescenta que a falta de padronização, comparabilidade e confiabilidade das informações dificultam a sua incorporação e uso pelos agentes do mercado, o que gera preocupações quanto à proteção dos investidores. Segundo Daniele Barreto e Silva, líder de Sustentabilidade da Grant Thornton Brasil, boa parte da desconfiança tem origem na forma com que as informações ESG são apresentadas nos relatórios.
“As organizações não conectam o dado social, ambiental ou de governança a um dado econômico financeiro de geração de valor. Então o assessor de investimentos recebe uma série de informações e fica difícil fazer o cruzamento delas para avaliar como aquilo está impactando economicamente o negócio para orientar seus clientes de forma adequada”, explica.
Mais educação e auditoria
Uma das alternativas levantadas pelos participantes do estudo para tentar trazer maior confiabilidade às informações prestadas pelas empresas é a verificação externa. Entretanto, pesquisa realizada pela PWC, que analisou 78 relatórios de companhias listadas na B3 em 2021, aponta que apenas 30% dos documentos deste tipo são assegurados por um auditor independente.
“Atualmente, a verificação externa só é obrigatória no Brasil para um modelo específico, que é o relato integrado. Quem não segue esse formato não precisa passar por validação, e o grande problema disso é que nem o investidor e nem o assessor conseguem saber se aqueles dados estão realmente corretos. Quando a empresa pede para um terceiro que é isento verificar, ela está dando maior credibilidade para a informação”, resume.
Luiz Martha, Gerente de Pesquisa e Conteúdo no IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), que colaborou com elaboração do comparativo internacional do estudo, ressalta a importância da autorregulação do mercado e acredita que a adesão às prática de asseguração deve crescer conforme aumenta a cobrança por qualidade e veracidade das informações. “Vivemos em um mundo transparente, e práticas como greenwashing têm vida curta. Vejo que estamos caminhando dentro de um processo. Assim como a questão da governança se desenvolveu com o tempo, será igual com a sustentabilidade. Pouco a pouco o tema vai ganhar confiabilidade e amadurecer”, avalia.
Outro ponto destacado pelos participantes do estudo da CVM diz respeito ao reforço na educação financeira no sentido de ajudar o investidor a diferenciar informações confiáveis daquelas que apenas adotam uma falsa roupagem sustentável. “É essencial criar condições para que as pessoas estabeleçam conexões de forma correta na hora de buscar informações relacionadas e avaliar os impactos econômico-financeiros na organização. No caso das empresas, o conhecimento ajuda a estruturar melhor os relatórios. E no caso de investidores e assessores, dá maior discernimento para efetuar as análises”, encerra Daniele.
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