Com o início da Copa do Mundo, todas as atenções do planeta se voltam para o que acontece nos estádios do Catar. E apesar de parecerem distantes, o universo da bola tem importantes paralelos com o dos investimentos. A começar pelos salários milionários de muitos jogadores, que levantam a seguinte questão: como administrar esse patrimônio para garantir uma vida confortável ao atleta após o fim da sua curta carreira?
Em entrevista exclusiva à CRC!News, o ex-jogador William Machado, capitão de times como Grêmio e Corinthians e hoje sócio e assessor de investimentos da Messem, fala sobre esse e outros pontos, destacando os desafios na nova profissão. “Como capitão, sempre tive de olhar para cada pessoa como alguém único. Da mesma forma, o assessor precisa entender bem o seu cliente e considerar ele e sua família como únicos. Saber a hora de conversar e também de fazer uma alerta quando sente que a pessoa está muito exposta”, revela. Confira.
Como teve início sua ligação com o mercado financeiro?
Diferentemente da maioria dos atletas, conciliei minha carreira com a faculdade. Quando tinha 19 anos e ainda jogava na base do América-MG, passei em Ciências Contábeis na PUC-MG. Na época não tinha condições de pagar sozinho, mas recebi uma bolsa de uma associação. Escolhi um curso que me dava muito subsídio de gestão de empresas e na área financeira. Como pessoa física, acabamos funcionando como uma empresa também, com receitas e despesas.
Quais os desafios de conciliar a faculdade com a carreira de atleta em uma época em que ainda não havia ensino à distância?
Não tinha o EAD, mas dei sorte por um lado, pois minha carreira não decolou cedo. Como jogava em times pequenos, a agenda era limitada. Com isso consegui me dedicar aos estudos, até porque a carreira de futebol se mostrou muito incerta. Fazia faculdade de manhã, treinava à tarde e ia para o estágio à noite. Nessa época, meus jogos eram apenas no fim de semana. Às vezes tinha concentração no dia anterior, porém eu conseguia liberação do técnico para chegar mais tarde para acompanhar as aulas. Os professores também me ajudavam a abater faltas, mas tinha de correr atrás da matéria perdida.
Como você fazia com os investimentos nos tempos de jogador? Você mesmo cuidava, ou tinha alguém para ajudar?
Naquela época a gente tinha referência apenas nos bancos. Não havia um trabalho efetivo das corretoras para captar atletas. Lia muitos autores, como Gustavo Cerbasi, e comecei a entender algumas coisas que não eram boas para os investidores dentro dos bancos. A grande virada foi a entrada da XP, que bateu muito na questão da educação financeira. Mas quando me aposentei, em 2010, a XP ainda estava começando e fiz muito investimento que não era bom. Por outro lado, também evitei muitas roubadas por estudar bastante o tema. Fui fazendo sozinho e batendo cabeça com a ajuda da literatura.
A ideia de se tornar assessor surgiu depois de pendurar as chuteiras ou já estava nos seus planos?
Comecei a ajudar alguns colegas de time de maneira informal, depois de ver os erros que cometiam nos vestiários. Procurava fazer com que evitassem as mesmas armadilhas que eu caí e compartilhava minha experiência. Para os mais interessados, também indicava livros. Um dia, um deles se aproximou para perguntar sobre um investimento, e fiquei muito feliz por ajudá-lo. Nesse momento, ainda nem se falava em assessor de investimento. Mas o contato me despertou essa vontade e vi que seria prazeroso ajudar as pessoas.
O futebol é um meio onde alguns atletas ganham muito dinheiro com pouca idade, e às vezes não estão preparados para lidar com isso. Qual a importância da educação financeira neste contexto?
É uma minoria que consegue muito dinheiro desde o início da carreira. Mas quando acontece, um garoto de 16 anos já ganha mais do que os pais sem ter quase conhecimento. E os erros acontecem de forma quase natural. Vejo muita gente alocar em imóveis, imobilizando o patrimônio sem nem saber se vai morar naquela cidade. O imóvel pode ser bom dependendo do valor que se paga. Mas se criou na mente do brasileiro que é sempre um grande negócio, e as pessoas comprar sem nem pesquisar. Muitas vezes alocam 70%, 80% do patrimônio em salas comerciais que estão sendo construídas, loteamentos, que são coisas que não dão retorno financeiro no curto prazo.
Sua atuação como assessor é mais focada na administração da carteira de jogadores?
No início era nichada de forma exclusiva neste público. Fiquei entre 2010 e 2013 em um modelo que não me permitia fazer exatamente o que imaginava, que era transferir esse conhecimento para os clientes. Por isso, acabei me afastando do mercado e voltei em 2018 dentro de um novo modelo. Hoje, percebi que não são apenas os jogadores que sofrem com falta de conhecimento em investimentos. Médicos, advogados e outros profissionais também enfrentam os mesmos problemas. Atualmente, tenho entre 30% e 40% da carteira composta por atletas.
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Como foi sua preparação para se tornar um assessor de investimentos?
A partir do momento que comecei a atuar em grandes equipes, entendi que era minha grande oportunidade e precisava me dedicar 100%. Então acabei deixando a faculdade de lado pois não quis perder o foco, ainda que fosse por um bom motivo. Mas nunca deixei de estudar sobre investimentos nas viagens e concentrações. Depois de me aposentar, continuei a ler muito e finalmente me graduei em ciências contábeis. Também tirei o certificado Ancord e depois obtive o CEA, me tornando especialista em investimentos.
Como você procura trabalhar a carteira dos seus clientes que são atletas?
Hoje, eles possuem uma preocupação muito maior com essa parte de gestão. A sociedade como um todo melhorou seu olhar para o tema, e os jogadores acabam acompanhando. Mas eles ainda têm muita dificuldade no quesito de se preparar mais. Outro problema é que delegam e confiam demais nos outros, deixando o dinheiro muito solto. Já me deparei com carteiras de atletas de ponta muito desalinhadas com os objetivos e o perfil de risco. É um grande perigo. Mas o trabalho não difere tanto do feito com outros tipos de cliente, a não ser pela janela de tempo do atleta ser menor. Ele vai ganhar bem por poucos anos, então busco extrair o máximo de informações em relação aos objetivos familiares para ajudá-los.
E de que maneira o fato de a carreira do jogador ser curta impacta na estratégia de investimentos?
Procuro sempre fazer esse alerta e colocar o quanto eles podem gastar se quiserem manter seu patrimônio ao longo dos anos. Às vezes alguns se chocam, pois não entendem. O salário pode ter muitos zeros, mas o carro que usam e a casa em que moram também tem. Sempre digo que o mais importante não é o quanto ganha, mas o quanto gasta. É muito difícil ter essa clareza de até onde você pode ir nos gastos para aposentar com 37 e viver por mais 40 anos com tranquilidade. Quando faço a conta de quanto ele deveria gastar, a pessoa acha pouco. Então explico que ele pode continuar gastando, mas correr o risco de ficar sem dinheiro muito cedo, entre os 50 e 60 anos, que é uma idade em que trabalhar é difícil. Tem gente que não gosta, mas sinto que é minha obrigação ser transparente nesse ponto. O assessor que não tiver esse olhar não está trabalhando direito.
Quais paralelos você pode traçar entre as profissões de jogador e assessor? Tem algo dos gramados que aproveita hoje?
Como capitão, sempre tive de olhar para cada pessoa como alguém único. Precisava entender como ela iria reagir nos diferentes momentos do jogo, de pressão, euforia, lesão, assinatura de um novo contrato. Quando se tem esse entendimento, é possível puxar a orelha ou dar um empurrão motivador quando necessário. Da mesma forma, o assessor precisa entender bem o seu cliente e considerar ele e sua família como únicos. Saber a hora de conversar e também de fazer uma alerta quando sente que a pessoa está muito exposta.
Texto publicado na edição 62 da revista CRC!News, acesse e leia os principais destaques do setor.