Cada vez mais os escritórios procuram oferecer um atendimento 360 que olhe para todos os aspectos da vida financeira do cliente. E isso inclui considerar até mesmo fatores comportamentais que impactam na decisão de compra das pessoas. Em entrevista à CRC!News, Jurandir Macedo, especialista em finanças comportamentais com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles, explica a importância do tema e fala sobre os desafios para se ampliar a discussão no Brasil.
Com passagens por instituições como Banco do Brasil, Banco Itaú, Genial Investimentos, Corretora Warren, Macedo já publicou mais de 400 artigos sobre educação financeira e aponta que os profissionais que ficam apenas na planilha e não adotam uma visão mais ampla sobre a vida do cliente estão fadados a ficar para trás. “Você tem que ter uma abordagem holística para o seu cliente. Se não olhar as várias dimensões da vida, a sua possibilidade de sucesso é muito baixa”, opina. Veja a íntegra da conversa a seguir.
A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) anunciou em outubro que o Brasil tem 64 milhões de pessoas endividadas. Qual é o peso de fatores comportamentais em um número como esse?
O Brasil ainda tem pouca educação financeira. Vivemos 40 anos com inflação extremamente elevada. Naquela época, não fazia sentido anotar gastos, se planejar. E o brasileiro acabou entendendo que consumir era uma forma de poupar. Se você comprasse um carro, ele desvalorizava 15% ao ano, enquanto o dinheiro chegava a desvalorizar até 80% ao mês. Tudo isso nos levou a perder essa educação financeira ao longo de muito tempo, e para recuperar demora.
Como você avalia a atenção dada aos fatores comportamentais pelos profissionais que atuam no mercado financeiro hoje?
Quem não olhar para esses fatores mais comportamentais e ficar apenas na planilha está no passado. Precisamos sempre entender que dinheiro é meio, não é fim. Pessoas que colocam dinheiro como fim estão bastante equivocadas. Acho que os planejadores financeiros, principalmente os CFPs, estão cada vez mais atentos à questão do comportamento, de entender de forma mais profunda o cliente.
Quais as barreiras para se disseminar mais a importância dessa parte comportamental?
Você não consegue sair de A para B sem ter um caminho. Lentamente as pessoas passam a ter cada vez mais conhecimento, participar de eventos, acompanhar as redes sociais, e tudo isso faz com que o tema ganhe mais atenção. Por outro lado, temos como fator negativo influenciadores às vezes muito equivocados, que pregam coisas que não são sustentáveis, como ficar rico rápido, ficar milionário com trade. É uma construção lenta
Do ponto de vista do cliente, como ele pode identificar se há aspectos comportamentais influindo negativamente na vida financeira?
Muitas vezes, os valores que trazemos da nossa educação, da nossa infância, da nossa juventude, acabam interferindo muito em nosso comportamento frente ao dinheiro. Vivemos em uma sociedade que valoriza muito o que eu chamo de bens posicionais, que é aquele bem que me diferencia das demais pessoas. Se eu como uma bela macarronada e todas as pessoas do mundo conseguem comer, o valor será igual. Mas de repente eu começo a criar o conceito do “melhor do mundo”. Se existe o melhor restaurante do mundo, preciso estar lá para tirar uma selfie. Preciso ter uma bolsa de marca famosa. Por exemplo, o que faz de diferente esse meu relógio de pulseira de plástico na comparação com um outro modelo caríssimo? Ele comunica sucesso financeiro, profissional. Essa é uma das questões que as pessoas precisam aprender a repensar. O retorno para cada real gasto nos bens posicionais é muito baixo comparado ao retorno que você tem com alguma coisa que te dá prazer. Precisamos questionar em termos de educação financeira essa ideia de que ter um planejamento financeiro, controlar suas finanças, é para gastar menos. Não é isso. É para gastar melhor e ter melhor qualidade de vida.
Há espaço dentro do trabalho de um assessor de investimento para se trabalhar essa questão comportamental com o cliente?
Acho que o espaço é total. Quem não fizer isso, vai ser colocado para fora do mercado. Você tem que ter uma abordagem holística para o seu cliente. Se não olhar as várias dimensões da vida, a sua possibilidade de sucesso é muito baixa.
Como o assessor de investimentos pode se preparar para trabalhar mais esse lado comportamental?
Precisa estudar bastante. Quando acabei meu doutorado sobre finanças comportamentais, senti que existia uma lacuna em relação à psicologia. Então fui fazer um pós-doutorado em Bruxelas na área de psicologia cognitiva. Tenho dois livros nessa área de finanças comportamentais e desejo decisão. Hoje, temos muita literatura à disposição, ficou fácil para aprender. É preciso olhar para isso e buscar esse conhecimento. Não somente baseado em hard skills, mas pensar também nas soft skills é cada vez mais importante.