Para discutir o momento favorável para os títulos de renda fixa diante do cenário de pressão inflacionária e alta dos juros, o Ancord Trends promoveu na tarde desta terça (16) o debate “Mercado de Títulos Privados de Renda Fixa”. O Workshop, que marcou os 50 anos da Ancord (Associação Nacional das Corretoras de Valores), reuniu Francisco José Bastos Santos, superintendente de Relação com o Mercado e Intermediários da CVM e Bruno Barbosa de Luna, chefe de Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM. A medição coube a Otávio Yazbek, sócio da Yazbek Advogados e ex-diretor da CVM.
Na abertura do painel, Yazbek destacou a evolução da renda fixa privada no Brasil. “Muitos dos empecilhos estão sendo retirados, e hoje temos uma postura mais simpática para o desenvolvimento desse mercado, inclusive em aspectos tributários. Acho que o assunto volta à mesa em um patamar diferenciado”, afirma.
Para Santos, as dimensões desse segmento de renda fixa privada são um mistério no Brasil. Para ele, trata-se de um mercado importante por dar ao emissor outra maneira de se financiar, buscar previsibilidade no fluxo de caixa e melhorar a relação de risco e retorno. Já para o investidor, traz mais segurança do que a renda variável e ajuda na composição de uma carteira mais equilibrada. “Porém, em um país onde as taxas de juros são tão altas, porque esse mercado ainda é tão incipiente?”, provoca.
Ele mesmo acrescenta que parte da resposta está na própria pergunta, pois foi criado um cenário no qual os títulos públicos predominam, tornando difícil às empresas pagarem uma taxa equivalente à do Tesouro. Santos citou alguns números, apontando que as emissões de debêntures passaram de R$660 bilhões em 2017 para R$740 bi em 2021, enquanto o mercado de ações saltou de R$2,8 trilhões para R$5,2 tri no mesmo período.
“O sistema tributário do Brasil não incentiva a liquidez. Favorece reter o título, pois quem segura paga menos imposto. Além disso, as isenções para diversos títulos tornam difícil para a pessoa física comparar o que incide imposto com o que não incide, e o preço deixa de ter relação direta com o risco retorno por conta dessa colcha de retalhos tributária”, critica.
O superintendente ainda aponta a falta padronização e fungibilidade entre os títulos, o que faz com que exista uma variedade enorme de ativos e isso dificulta a análise do investidor. “Hoje, não temos um single broker, um lugar para consultar tudo e comparar. Como regulador, temos que discutir e buscar alternativas, ou vamos ficar com um mercado do tamanho de um anão”, resume.
Apesar dos problemas, Santos vê perspectivas positivas, como o fato de o país contar com uma relação de dívida PIB razoável, o que aponta para taxas futuras melhores que no passado. “Na seara tributária, temos uma novidade que se for concretizada será excelente, que é isentar de imposto de renda os não-residentes que investem em renda fixa privada. Isso pode gerar uma enxurrada de recursos e mudar o jogo do ponto de vista de demanda no curto prazo.”
Exemplos de fora
Em sua fala, Luna citou um estudo da CVM sobre o tema, que contou com conversas junto a reguladores internacionais para conhecer as diferentes realidades de renda fixa privada, levantando iniciativas que podem ser trazidas para a nossa realidade. Um dos exemplos pesquisados foi o de minibonds na Itália, que possibilitou pequenas e médias empresas a emitir esses papéis.
“Em relação ao mercado italiano, eles estabeleceram um sistema de garantias e isso é fundamental quando se trata de pequenas e médias empresas, ou o mercado de dívida não decola. O regulador alemão tentou de alguma forma reproduzir, mas sem as garantias e ofertando para o varejo. O que se viu foram diversos defaults, os pequenos investidores perderam suas economias e o mercado murchou drasticamente”, aponta.
Dentre as sugestões trazidas pelo estudo, Luna cita a necessidade de se tratar as emissões de dívida de forma singular, pois ele entende que elas não são iguais às de equity. A possibilidade de voto à distância para instrumento de dívida e a importância de ter programas sustentáveis e permanentes de formação de mercado que contribuam com a liquidez completam as recomendações.
“Percebemos que não existe bala de prata. Não vai ser com regulação que vamos resolver todos os problemas. Mas é possível dar um direcionamento para que as coisas caminhem e se desenvolvam melhor”, completa.