Por Rachel de Sá, chefe de economia da Rico e Júlia Aquino, analista de ações da Rico.
Recentemente, foi sancionado o projeto de lei (PL) do Desenrola, programa do Governo Federal para ajudar na negociação de dívidas. Com isso, o programa, que antes estava vigente por meio de uma Medida Provisória, passa a ser regulamentado por lei.
O grande destaque da aprovação, no entanto, foi a discussão sobre o teto dos juros do crédito rotativo oferecido por instituições financeiras.
Nesse texto, vamos abordar os assuntos a seguir:
- O que é crédito rotativo?
- O que muda com o teto do rotativo?
- Como fica o teto do rotativo na prática?
- Qual o impacto do teto do rotativo para os bancos?
- Qual o impacto do teto do rotativo para o cliente?
- Por que é importante sair do rotativo?
O que é crédito rotativo?
O crédito rotativo do cartão de crédito é oferecido ao cliente quando ele não faz o pagamento total da fatura até a data de vencimento. Nesse caso, o cliente paga parcialmente a fatura e o valor que não foi pago se transforma em um empréstimo — e passa a acumular juros enquanto não é quitado. Afinal, toda dívida tem um custo.
Esse é um crédito sem garantia e sem muitas informações sobre o cliente; por isso, é mais arriscado para a instituição financeira, que cobra juros mais altos pelo serviço. Para se ter uma ideia, o custo médio do crédito rotativo no Brasil atingiu 455% ao ano em agosto de 2023, segundo dados do Banco Central (BCB).
O alto custo também está relacionado ao elevado nível de inadimplência desse tipo de operação, que está entre as mais altas dentre os produtos de crédito. Com quase metade das operações em atraso, a dinâmica do crédito rotativo é, então, marcada por um ciclo vicioso em que os altos juros alimentam a inadimplência, e vice-versa.
Essa linha de crédito também é usada pelos bancos para custear o parcelado sem juros, que é o pagamento de um produto ou serviço em parcelas (o famoso “em apenas 10x sem juros”). Esse tipo de pagamento é atualmente a principal fonte de receita para os emissores de cartões de crédito, e por isso o mercado acompanha de perto possíveis mudanças na modalidade.
Mas parcelado não é sempre sem juros?
A resposta curta para a pergunta acima é: não.
Já a resposta longa pode ser resumida da seguinte forma: o parcelado sem juros é usado pelas lojas e prestadores de serviços para impulsionar as vendas, já que permite que o cliente divida sua compra em pagamentos que caibam no seu orçamento mensal.
Esse tipo de operação, no entanto, tem um custo que não fica explícito para o comprador. Isso porque o custo de desvalorização do dinheiro no tempo (já que o efeito da inflação faz os 100 reais hoje não valerem o mesmo que 100 reais daqui a 12 meses) acaba sendo embutido no preço final do produto.
Além disso, o vendedor geralmente paga uma taxa para a maquininha do cartão para poder fazer transações desse tipo — o que também entra no preço. Assim, lojistas e prestadores de serviços tendem a embutir o custo relacionado ao parcelado no próprio preço daquilo sendo vendido.
O que muda com o teto do rotativo?
O texto aprovado indica que um eventual limite para a cobrança de juros na modalidade do rotativo do cartão de crédito deve ser fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN, órgão responsável por questões de regulação no mercado financeiro).
Segundo o projeto sancionado, “o total cobrado em cada caso a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida” — ou seja, o teto da dívida será o equivalente ao dobro do principal. Se você deve R$ 100 no cartão de crédito, por exemplo, poderá pagar no máximo R$ 200, já incluindo juros e encargos financeiros.
Vale destacar, no entanto, que o texto da lei deixa espaço para que os bancos aprovem junto ao CMN uma outra proposta em até 90 dias, o que ainda pode alterar esse teto da taxa de juros do crédito rotativo.
Qual o impacto do teto do rotativo para os bancos?
Segundo regulamentação do BCB, bancos só podem reconhecer como receita em seu resultado os encargos cobrados em até 60 dias de atraso.
Ou seja: ainda que o cliente atrase mais que 90 dias (30 dias do primeiro vencimento de fatura + 60 conforme a regra do BCB), o valor acumulado de juros não vai impactar no lucro dos bancos. No exemplo anterior, vimos que, usando a taxa média do rotativo, a taxa a ser cobrada do cliente ainda fica abaixo do limite estabelecido na nova lei.
Para os bancos, que só podem reconhecer receita de juros de até 60 dias, o impacto do teto do rotativo é imaterial (supondo que o teto de juros de até 100% do principal estabelecido no texto inicial da lei e a taxa média dessa linha de crédito não se alterem). Portanto, não esperamos que a sanção impacte os lucros ou as ações dos bancos.
Além disso, o tempo médio de permanência no rotativo é de cerca de 20 dias — abaixo dos 90 que usamos no exemplo. Portanto, resultaria em juros ainda mais distantes do novo teto.
Qual o impacto do teto do rotativo para o cliente?
Se o impacto de um teto para os juros do rotativo seria, por ora, imaterial, por que a discussão sobre o tema? Em especial, por conta do impacto não tão imaterial assim para os consumidores.
Primeiro, porque embora os juros utilizados em nosso exemplo tenham ficado abaixo do teto (ainda que altos), o valor de 455% ao ano é apenas uma média das taxas praticadas no mercado.
Para se ter uma ideia, essa taxa chega a alcançar os 1.000% ao ano (ou 22% ao mês). Os juros cobrados na modalidade de crédito rotativo variam de acordo com o score de crédito do cliente, do relacionamento com o banco e do apetite ao risco da instituição (ou seja, quanto de risco ela está disposta a correr ao emprestar dinheiro).
Assim, considerando o valor de 1.000% ao ano de juros, a taxa incorrida em 90 dias seria de 135% — dessa vez, bem acima do limite. Por isso, ainda que o teto estabelecido pareça ser muito alto, ele deve sim impactar nos juros praticados efetivamente pelos bancos, tendo o potencial de reduzir o efeito bola de neve dos pagamentos em atraso.
Por que é importante sair do rotativo?
Vale destacar que, mesmo diante de um teto limitando os juros para o rotativo do cartão de crédito, a melhor opção é sempre negociar a sua dívida junta a instituição financeira.
Isso porque, apesar de sabermos que todas as dívidas são acrescidas de juros, o que muita gente não sabe é que os juros cobrados do variam muito, a depender da modalidade de crédito.
Isso significa que, muitas vezes, você pode optar por uma dívida com juros menores.