A chegada das novas plataformas modernizou o ambiente de investimentos do país. Hoje, com comandos simples, qualquer pessoa é capaz de realizar transações no mercado financeiro. Há, porém, um tipo de operação que não acompanhou essa evolução, gerando trabalho aos assessores e dores de cabeça para os clientes: a transferência de custódia. Mas ao mesmo tempo em que causa transtornos, muitos especialistas veem nela uma oportunidade para dar suporte e estreitar a relação com o investidor.
No estudo “Transferência de Custódia de Valores Mobiliários”, divulgado na última semana pela CVM, o regulador aponta que, enquanto as corretoras e bancos permitem que se faça quase tudo por meios digitais, essa operação segue como uma das poucas em que parte dos players ainda exige documentos impressos e assinaturas. Além disso, a operação costuma ser demorada, sofrer atrasos, e o cliente não consegue acompanhar o andamento, ficando perdido em meio a um labirinto burocrático e desgastante. Como resultado, 75% dos investidores qualificados e 67% dos de varejo se declaram insatisfeitos com a experiência.
Filipe Filipe Medeiros, CEO e fundador da consultoria AAWZ, acredita que será necessário um papel mais ativo do regulador para impulsionar o mercado em direção a uma mudança efetiva. “As estruturas das grandes corretoras e bancos já possuem condições tecnológicas e de segurança para digitalizar a transferência de custódia. Facilitar é do interesse de todos, mas ninguém quer dar esse passo sozinho. Será preciso um direcionamento da CVM para que a mudança aconteça, estabelecendo prazos, critérios e penalidades para quem não cumprir. Quando isso acontecer, aqueles que atenderem melhor ficam com a custódia”, afirma em entrevista à CRC!News.
Em geral, são três os motivos para o assessor de investimento solicitar a transferência de custódia, conforme explica Fernanda de Rousset, sócia e head da mesa institucional da B.Side Investimentos, plugada ao BTG. ”O primeiro é quando o cliente troca o atendimento, mas tem ativos bons, e o novo assessor faz o pedido para ter visibilidade dos recursos. Outra razão é se a pessoa tem contas em vários lugares diferentes e deseja consolidar a carteira em um único local. E o terceiro é quando o investidor teve uma experiência negativa e deseja um acompanhamento mais próximo”, resume.
De acordo com o levantamento, cerca de 15% das operações são motivadas por indicação de especialistas, atrás de critérios como procura por melhores produtos ou serviços e redução das taxas cobradas. No entanto, esse percentual poderia ser bem maior caso o processo não gerasse tantos problemas. Na prática, muitos assessores deixam de recomendar por temer que os contratempos abalem sua relação com o cliente.
“É preciso ter sensibilidade e encontrar o momento certo para fazer o pedido, pois é uma situação delicada. Envolve o cliente abrir toda a sua carteira e ainda pode demorar e gerar desgaste. Em geral, uma em cada 10 pessoas desiste no meio do caminho e perdemos a captação. Isso gera mais trabalho para negociar em tempo real, pois temos sempre de cotar com a mesa”, explica Pedro Tiezzi, head de alocação da SVN Investimentos, conectada à XP Investimentos.
Problema na origem
Uma das principais causas de problema apontada pelo estudo da CVM é o fato de a solicitação ser realizada pela instituição que detém os recursos, enquanto no restante do mundo existe a possibilidade de fazer o pedido no local que vai receber a custódia. Na prática, quem está perdendo os recursos tem pouco interesse em ver o cliente partir. Como não existe uma padronização nas regras, cada instituição pode inserir processos manuais ou exigir documentos que acabam dificultando a vida do investidor.
“Cada classe de produto e cada corretora têm um procedimento próprio. Enquanto em alguns lugares é totalmente online, em outros você precisa até reconhecer firma em cartório. Então fica a sensação de que tentam dificultar para o cliente não levar a custódia”, argumenta Vitor Miziara, sócio da Critéria Investimentos, da XP Investimentos.
“Por ser um dinheiro que fica bastante vulnerável, os players colocam barreiras para dificultar essa saída. Mas eles esquecem que, assim como os recursos saem, outros também podem entrar desta mesma maneira”, acrescenta Tiezzi.
Valorização do trabalho
Apesar dos problemas, na visão de Anderson dos Anjos, CEO da Topo Investimentos, plugada à XP, tamanha complexidade também representa uma oportunidade para o assessor valorizar seu atendimento. Afinal, com tantas regras e detalhes, qualquer erro pode resultar em atrasos e tornar o processo ainda mais demorado e estressante para o cliente.
“O assessor está muito mais preparado para transitar nesse ambiente operacional. Então acabamos fazendo quase tudo, especialmente o que é manual. O investidor é assediado por todos os lados, e quando o especialista se propõe a atuar diretamente, levantando informações, preenchendo formulários, ligando para ver como está o andamento, ele ganha pontos importantes. Ao mesmo tempo, toma um tempo importante que poderia ser usado para prospectar”, explica.
Para Tiezzi, é fundamental manter as expectativas do cliente alinhadas, afinal a operação está sujeita a atrasos caso a instituição alegue a falta de documentos, por exemplo. Como não é recomendado negociar os ativos durante o processo, afinal isso pode levar à necessidade de refazer toda a operação desde o início, a pessoa precisa estar preparada para ficar até um mês sem mexer na carteira.
“É um procedimento que gera muita irritação, Para minimizar as chances de problemas, tentamos mandar o máximo de informação mastigada. Quando começa a travar, vamos diretamente na mesa de transferência de custódia para entender o que está acontecendo e como podemos ajudar”, diz.
Já Fernanda acredita que boa parte dos cerca de 70% de investidores que consideram sua experiência negativa não contou com o suporte do assessor. “Toda essa dificuldade valoriza o nosso trabalho. Sozinho, o investidor perde-se em detalhes e corre o risco de ver tudo ser cancelado por conta de um erro. Mas nós mostramos o passo a passo, temos maior acesso às áreas internas das instituições e conseguimos acalmar o cliente”, completa Fernanda.
Saídas possíveis
A CVM aponta a adoção de cinco medidas para minimizar os transtornos relacionados à transferência de custódia: fazer da instituição de destino dos recursos o agente responsável pela operação, permitir que a solicitação se dê por meios online e em área logada, disponibilizar ao investidor a possibilidade de acompanhar o andamento do processo, estabelecer prazos mais condizentes com a realidade de cada ativo e responsabilizar uma central depositária pelas informações de títulos privados de renda fixa.
As medidas sugeridas vão de encontro à avaliação da maioria dos especialistas consultados. “Os grandes problemas são a ausência de padronização nas exigências, os prazos excessivos, o fato de não ser online para todos e a falta de transparência, pois não é possível acompanhar o status”, resume Miziara.
Porém, ao contrário dos demais, dos Anjos defende que uma central custodiante para todos os tipos de ativos seria uma solução mais adequada do que delegar a tarefa à instituição de destino. “Gera inconvenientes nas duas pontas. Talvez o melhor caminho seja alguém intervir nesse meio do caminho e fazer a mediação”, pondera.