É possível conciliar o propósito de liberdade dos critptoativos com a segurança do investidor? O que a derrocada da cotação do ecossistema Terra (LUNA), verificada nos últimos dias, revela sobre este mercado? Em entrevista exclusiva para o CRC!News, Isac Costa, professor do Ibmec e Insper na área de Direito e consultor em regulação financeira, expõe sua visão sobre o universo cripto, e afirma que a regulação do setor, para ser efetiva, demanda concessões tanto do Estado quanto do mercado. Confira.
Os criptoativos nasceram com uma proposta libertária de agilizar e baratear transações. De que forma uma regulação é compatível com esse propósito?
É difícil conciliar em alguma medida. A exigência de uma série de informações e mecanismos de salvaguarda existe para garantir que não haja perdas significativas que contaminem o sistema financeiro. Essa regulação acaba incutindo alguns custos que podem trair o propósito original de oferecer um acesso mais barato e flexível aos investimentos. Dá pra conciliar, mas vai exigir concessões recíprocas. De um lado, o Estado deve compreender essa tecnologia e criar mecanismos para receber e se adaptar às inovações, então não podemos usar a regulação na mesma intensidade do mercado tradicional. Ao mesmo tempo, as pessoas no mundo cripto vão ter que entender que não dá pra ser uma anarquia total. É preciso ter alguns controles, e essas concessões recíprocas é que podem levar algum tipo de conciliação permitindo a regulação desse mercado.
No ano passado, um estudo da CVM revelou que no Brasil o principal produto usado em golpes financeiros foram os criptoativos. Qual é a importância da regulação para trazer maior segurança ao investidor brasileiro nesse meio?
Os golpes sempre existiram com diferentes instrumentos. A bola da vez é cripto porque as pessoas estão encantadas, acham que vão ter retornos grandes e expressivos em um curto período de tempo. Eu não diria que a gente precisa mudar a regulação de repressão a fraudes financeiras. Existem muitas pessoas tirando dinheiro dos investidores que sequer investem em cripto. Elas só pegam dinheiro, fazem uma promessa e nem levam isso pro mercado. Mas isso acaba contaminando a credibilidade do mundo cripto. A regulação que o setor precisa é para aumentar a segurança jurídica dos investimentos e dar alguma proteção no sentido de garantir que as pessoas que oferecem produtos e serviços não atuem em conflito de interesse, que não lesem os investidores. Mas essa lesão aos investidores não é sinônimo de fraude. A regulação não vem para reprimir e reprimir golpes. Ela vem para garantir que a qualidade do serviço prestado ao consumidor seja adequada, e que isso gere segurança jurídica para atrair mais e mais investimentos.
Nos últimos dias, tivemos uma derrocada forte no mercado, incluindo as stablecoins, que se esperava serem menos voláteis. O que esse movimento revela sobre os criptoativos?
Todos esses acontecimentos recentes revelam que estamos diante de uma inovação cuja validação dos modelos de negócios ainda é muito incerta. É uma tecnologia ainda relativamente instável. E quando a gente fala de stablecoins, a promessa de estabilidade dos preços deve ser efetivamente cumprida. Na semana passada, vimos essa derrocada do Terra (LUNA) porque o algoritmo não conseguiu controlar o choque de volatilidade. Isso já era um risco indicado, e a grande lição que fica sobre outros criptos não regulados é: “será que, se a gente tiver US$80 bilhões em saque, eles vão ter as reservas?” Isso acende uma luz de alerta no mercado, pois não podemos nos contagiar pela euforia e não podemos simplesmente acreditar na palavra dos empreendedores dizendo que o serviço funciona. Alguém precisa verificar isso. Quer seja o mercado, quer seja o Estado.
Como você projeta o futuro dos criptoaitvos no Brasil com a aprovação do marco do setor? O uso que deve se disseminar pelo país, inclusive em transações no dia a dia do brasileiro?
No Brasil e no mundo, a utilização de cripto como forma de pagamento ainda enfrenta obstáculos tecnológicos no que diz respeito aos custos e à rapidez para a realização de algumas transações. Principalmente quando a gente utiliza blockchains públicas. Claro, existem soluções que permitem pagamentos com muito mais agilidade e alguma mitigação de custo. Mas ainda existe um enorme ponto de interrogação sobre as soluções de pagamentos no mundo cripto. O próprio Banco Central do Brasil já indicou que prefere orientar o mercado no sentido de investimentos e não no sentido de pagamentos, porque ele vai criar a moeda digital do Banco Central para viabilizar serviços de pagamento como uma extensão do Pix. Então, eu tenho algum ceticismo quanto à disseminação do cripto como forma de pagamento no dia a dia das pessoas no Brasil.
Qual são as expectativas para os próximos meses?
A principal aplicação do cripto hoje é como forma de investimento. Só que esses retornos expressivos têm sido colocados em xeque diante de vários recuos no mercado ao longo do tempo. Então, em termos de investimentos, por enquanto, o que a gente pode prever para os próximos 12 meses é que teremos um mercado extremamente volátil e de alto risco, e esses investimentos devem ser classificados como investimentos alternativos. Se uma regulação um pouco mais detalhada para investimentos vier, pode ser que a gente tenha o cripto efetivamente no maisntream. Mas eu não considero o mercado cripto no mainstream de investimentos ainda.
Leia todos os destaques do setor na revista CRC!News, texto publicado na edição 35.