Na última semana, o Ministério da Economia anunciou a intenção de transferir imóveis públicos federais no valor de R$97 bilhões para fundos imobiliários. O montante anunciado teria grande potencial para expandir o setor de FIIs no país, que segundo a B3 movimentou R$66,5 bilhões em negociações ao longo de 2021.
Para Marcos Barbosa, sócio da Ímpar Investimentos, a medida deve trazer alguns desafios para os assessores. Um deles está no perfil dos imóveis oferecidos. Hoje, o investidor entra nos FIIs pensando em receber renda logo de cara. Porém, muitos destes ativos vão precisar passar por revitalização, e devem demorar a gerar dividendos.
“Pensando para os meus clientes, não vejo muita atratividade. São ativos de difícil precificação, como terrenos, galpões abandonados, ou seja, com pouco potencial de gerar renda imediata. Fora o risco de vir o TCU e a Justiça e suspender a venda. Vai depender da iniciativa privada realizar uma boa gestão, desenvolver o entorno, mas isso seria algo de longo prazo. É preciso ver quem estaria disposto a entrar nesse tipo de negócio”, esclarece.
Lana Santos, assessora de renda variável da Acqua Vero, concorda com as dificuldades, e acredita que será preciso realizar um trabalho diferente para explicar o produto e adequar às expectativas. “Pode ser algo interessante para atrair o cliente mais consevador para uma opção de renda variável que tem a União como contraparte. Mas talvez não seja o ideal para quem deseja receber algo na hora”, opina.
Outro ponto de atenção está no tipo de imóvel oferecido, que foge do convencional. Um deles, por exemplo, é um aeroporto, algo incomum para fundos imobiliários. “Os gestores devem ser mais criteriosos nas análises, principalmente dos inquilinos quando se refere ao risco de crédito. Mas a leitura deve seguir o mesmo critério usado atualmente, como laudo de avaliação com seus aspectos técnicos”, explica Paulo Carneiro, gerente de Produtos Imobiliários e Alternativos do Andbank.
Rodrigo Zauner, sócio da SVN Investimentos, também reforça a importância do gestor nesse processo de avaliação, que será o profissional responsável por passar informações sobre a qualidade do ativo, onde está localizado, entre outras coisas que darão suporte ao assessor. “Um mesmo ativo com gestões diferentes têm resultados muito distintos. Mas ainda não está claro se vão escolher uma gestora do mercado ou criar uma nova para a tarefa”, pondera.
Na visão de Luis Bresaola, especialista em FIIs da Davos Investimentos, uma possibilidade que pode surgir com a iniciativa é a União vender o imóvel e depois alugá-lo de volta, em uma modalidade conhecida como sale and leaseback. “Seria algo muito interessante e novo no mercado, pois a pessoa estaria em um ativo no qual o risco é ter a União como inquilina. Pode funcionar como um atrativo para o investidor de perfil mais conservador”, exemplifica.
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Bom para a União
Se do ponto de vista do investidor a hipótese de trazer imóveis públicos federais para fundos imobiliários mistura desafios com boas possibilidades, os players consultados concordam que, para o governo, a solução mostra-se interessante por rentabilizar ativos que estavam parados. No entanto, não será fácil tirar a ideia do papel.
“Transformar ativos não utilizados em algo produtivo pode ser algo muito positivo para a sociedade e trazer recursos para a União. As ideias são boas, mas o difícil é a operacionalização. A lei é de 2015 e até agora não tivemos grandes evoluções”, argumenta Mauro Morelli, estrategista da Davos Investimentos.
“A intenção de vender imóveis da União vem desde o governo Temer, mas esbarra na burocracia e na insegurança jurídica. Com o sucesso dos FIIs, está se abrindo uma porta para concretizar”, completa Barbosa.
Outra das dificuldades do governo em lidar com estes ativos é que, por meio de leilão, os pagamentos precisam ser à vista. Contudo, por se tratarem de imóveis de valor elevado, as possibilidades de alienação ficam muito limitadas. Já por meio dos fundos será possível contornar essa barreira.
“O governo não tem expertise imobiliária, mas cedendo para gestores especializados e flexibilizando o acesso ao mercado por meio de cotas facilita bastante, pois muita gente interessada não dispõe do capital necessário para fazer negócio via leilão”, aponta Lana.
Texto publicado na edição 51 da revista CRC!News, acesse e leia todos os destaques do mercado de assessoria de investimentos.