No início de maio, o tradicional exame CFP® esteve no centro das discussões entre os profissionais do mercado financeiro. Com uma série de mudanças, a prova surpreendeu os candidatos tanto pela elevação no nível de dificuldade quanto pela presença de enunciados extensos em alguns dos módulos. Às vésperas da próxima edição do exame, que será realizado em 21 de agosto, a Planejar, entidade responsável pela certificação no Brasil, rompe o silêncio em entrevista exclusiva à CRC!News.
Ao longo da conversa, Osvaldo Cervi, vice-presidente e coordenador da Comissão de Educação da Planejar, expõe os motivos que levaram a entidade a modificar o exame, abre a taxa de aprovação registrada em maio, revela que a prova deve se tornar digital em um prazo de dois anos e detalha como será o curso de planejamento financeiro, novo pré-requisito para se obter o CFP® a partir de dezembro. Para completar, Cervi ainda aborda a importância da certificação no país, as perspectivas para o mercado de planejadores financeiros, e antecipa o que os candidatos podem esperar da prova do próximo domingo. Confira a conversa na íntegra.
Qual a importância do CFP® para a carreira do profissional de investimentos?
Tive meu primeiro contato com o CFP® em 2006. Na época, era diretor de Private Banking do Banco do Brasil, e o que chamou atenção foi o currículo da certificação. É difícil encontrar algo em que tudo o que tudo o que você se dedica e estuda tem aplicação prática, mas tudo o que está nas exigências do exame de planejador de fato o profissional aplica no seu dia a dia. Temos diversos exemplos de profissionais que já se transformam durante o processo de estudar para o CFP®. Eles começam a aplicar na prática aqueles conceitos na relação com os clientes e amadurecem.
Qual o perfil dos profissionais que têm buscado essa certificação?
Nos últimos tempos mudou um pouco o perfil. Antes eram private bankers, pois a Anbima passou a exigir. De 2014 para cá, quem busca é o varejo bancário, pois a pessoa entende que talvez não fique tantos anos dentro de uma organização. Cinco anos atrás, a gente tinha três assessores de investimento com CFP®, e hoje são mais de 800. As plataformas estão percebendo a importância e incentivam cada vez mais. Hoje, temos 26 países no mundo que adotam o CFP®, e a média de crescimento anual da certificação nesses locais é de 3%, enquanto no Brasil é 36%. Isso está ligado ao movimento de redução da concentração bancária. O segmento do profissional autônomo se tornou um mercado pujante, de crescimento acelerado no Brasil. Dentro deste contexto, em que a qualidade do profissional faz a diferença, o CFP® passa a ser desejado, pois o mercado reconhece como diferencial. Quem se certifica passa a ter atendimento melhor, qualifica mais o cliente, desenvolve a capacidade de compreender o mercado financeiro. É um círculo virtuoso.
Como vem se dando a atuação do planejador no mercado? Ela é complementar à dos assessores? Os escritórios já estão abrindo espaço para este profissional?
Estamos em um processo de amadurecimento. As plataformas nasceram muito estimuladas pelo nível de comissão, que nem sempre vai ao encontro do interesse do cliente. Hoje, o grande mercado brasileiro é de endividados, que reúne 70% das famílias. Investir é uma parte do planejamento, mas não é tudo. É preciso desenvolver consciência sobre a necessidade de organização da vida financeira, fazer as pessoas entenderem quanto gastam e quanto ganham e ajudá-las a equilibrar essas contas para que um dia elas se tornem investidoras. A certificação estimula essa compreensão por parte do profissional.
A última edição da prova CFP® trouxe alterações significativas. O que motivou essas mudanças?
Estamos promovendo mudanças já desde antes da prova. Em novembro de 2021 anunciamos a suspensão do programa de experiência supervisionada. Foi algo criado para acelerar a adaptação daquele profissional com larga experiência no mercado PJ, mas ainda sem vivência com pessoa física. Quando vimos desvio de finalidade, resolvemos mudar. Outro ponto é que o crescimento do CFP® estimulou o nascimento de muitas escolas preparatórias. Virou um grande negócio, com instituições investindo energia para se apropriar do processo de avaliação e estruturando conteúdo para o aluno decorar sem entender. CFP® não é cursinho, mas uma certificação que precisa avaliar o conhecimento do profissional sobre o mercado financeiro. Quando mudamos a lógica da prova em relação aos cursos, passamos a mensagem de que não adianta decorar. As pessoas que se acostumaram a estudar em cima da hora vão ter dificuldades para se adaptar.
Outro fator foi a necessidade de acelerar a transição para a modalidade eletrônica. Para digitalizar, precisamos triplicar nosso banco de questões para não sermos repetitivos. Costumamos aplicar de 10 a 15 novas perguntas a cada edição, mas neste ritmo levaríamos muito tempo para dar a robustez necessária ao nosso banco. Como temos a meta de oferecer o exame digital dentro de dois anos, contratamos a FCC (Fundação Carlos Chagas) e pela primeira vez fizemos uma prova 100% nova. Sabíamos que seria um choque e passaríamos por um processo natural de compreender as dificuldades e fazer ajustes.
Vocês avaliaram a possibilidade de aplicar as mudanças em um teste com alguns candidatos antes de trazê-las para o exame?
Fizemos uma discussão extensa e profunda ao longo de dois anos. Percebemos que, na velocidade que a gente vinha mudando, a capacidade de as escolas replicarem em seus cursos preparatórios tirava todo o ineditismo. Então optamos por alterar um grande número de questões. Era melhor fazer de uma vez do que ao longo de anos, pois a dor e o desgaste seriam maiores. Nossa taxa de aprovação já vinha caindo. Era de 30%, reduziu para 21%, depois para 15%, e na última edição chegou a 10%. Ao mostrar que nosso objetivo é primar pela qualidade e valorizar a certificação, acreditamos que o mercado iria atender. Foi uma decisão dura, mas consciente.
Uma das principais críticas da última edição dizia respeito a enunciados muito extensos, que dificultavam que o candidato compreendesse e resolvesse a questão dentro do tempo proposto para a prova. Isso deve ser revisto?
Assimilamos todas as críticas e entendemos que em alguns pontos as pessoas tinham razão. Nestes casos, acolhemos as sugestões e tomamos providências junto à FCC. O CFP® está completando 20 anos no Brasil e temos uma história que nos credencia. Mesmo com todas as críticas ao último exame, tivemos recorde de inscrições para a prova de 21 de agosto, chegando a 2,7 mil candidatos, contra 2,4 mil no ano passado. A demanda não caiu. Pelo contrário, o mercado está amadurecendo e as pessoas buscam esse diferencial. Um dos pontos que revimos foram as questões do módulo 6. Óbvio que se 300 profissionais foram aprovados, eles mostraram que era possível completar a prova. Mas algumas partes exigiam energia maior dos candidatos. O módulo 6 aprovou apenas um terço do que costumava, enquanto o 2 e o 5 aprovaram só metade. Queremos certificar um generalista, e não alguém com conhecimento profundo em uma área. Por isso, agora vamos buscar enunciados mais breves e diretos para medir conhecimento geral, e não a profundidade.
O que os candidatos podem esperar da próxima edição da prova, marcada para 21 de agosto? A linha adotada em maio deve ser mantida?
Nossa certificação é de distinção. Ninguém é obrigado a ter CFP®, mas faz isso pois percebe que o conteúdo é relevante e transformador para sua carreira, e isso se traduz em reconhecimento profissional. A FCC tem uma das maiores experiências do país na elaboração de provas e um quadro gabaritado. Mesmo que sua especialidade seja em concursos públicos, as premissas são bastante parecidas com nosso exame. Então as pessoas podem esperar uma prova mais objetiva. Não vamos mudar o grau de dificuldade geral, mas evitar o desequilíbrio entre os módulos.
Quais outras mudanças estão no radar da Planejar?
A partir de dezembro, a pessoa terá de ser aprovada em um curso de planejamento financeiro para se certificar. Será um curso online com duração média de 30 horas feito pela própria Planejar, no qual o aluno terá de passar pela construção de um case de planejamento na prática. A primeira tentativa no curso será gratuita para quem se inscreveu no CFP®. Se a pessoa for aprovada no exame e não passar no curso, terá até três anos para pagar uma taxa extra e fazer novamente para obter a certificação.
Texto publicado na edição 47 da revista CRC!News, acesse e leia os principais destaques do setor de assessoria de investimentos.