Prestes a comemorar 50 anos de existência, Associação Nacional das Corretoras de Valores (Ancord), recebeu a CRC!News para uma entrevista exclusiva na última quinta-feira (10). A entidade é a porta de entrada para o profissional que quer atuar no setor de assessoria de investimentos. Na ocasião, o presidente da instituição, Carlos Arnaldo Borges de Souza, fez um balanço dos últimos anos do setor, destacou alguns debates internos como a modulação das certificações e reforçou o entendimento da Ancord em relação ao fim da exclusividade e da necessidade do assessor de investimento se manter atualizado.
No bate papo com o nosso time, Borges de Souza também rebateu críticas de alguns players do setor que acusam a entidade de não ser isenta.
“Quem acha que não tem isenção, tem que vir para a associação. A Ancord está aberta”, reforça o dirigente.
O evento de comemoração dos 50 anos da Ancord está previsto para ocorreu nesta terça-feira, das 14h às 18h30, com uma série de painéis.
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Confira os principais trecho da entrevista.
Qual é a maior conquista da entidade neste meio século de existência?
Não dá para separar a Ancord do mercado de capitais. É uma satisfação ver que temos um mercado pujante, que conseguimos sair de algo muito incipiente de 20, 30 anos atrás. Foi um trabalho muito bacana da Bolsa, da Ancord. É bacana ver porque o mercado era muito cético. Muita gente falava que o Brasil não precisava ter um mercado, que podia ser satélite de um mercado principal e hoje quando olhamos para o nosso ecossistema, temos um ecossistema parrudo, inovador, com segurança e que serve de modelo para muitos no mundo. Apesar dos 50 anos, a sensação é de que estamos começando, tem bastante pista pela frente.
É difícil elencar apenas um, mas qual seria o maior destaque nestes últimos anos?
Quando falarmos da Ancord, temos que falar do sistema porque a Ancord é fruto das Bolsas, das corretoras. Então, a consolidação das Bolsas de São Paulo foi muito importante. Do ponto de vista de busca de valor, destaco a criação do novo mercado, com governança. A desmutualização das Bolsas também foi um marco importante para o mercado e a nova consolidação da Bovespa que se juntou com a BMF e depois a incorporação da Cetip, que culminou na B3. Tudo isso são marcos importantes.
Em relação à Ancord, acho que quando a instituição assumiu o papel de desenvolver, junto com a CVM, a figura do autônomo pessoa jurídica isso criou também um ecossistema bacana, em que entramos com a autorregulação. Acho que esse foi um outro divisor de águas porque organizou bastante o mercado, um mercado que estava desacreditado. O agente autônomo no passado era uma figura secundária, hoje ele é protagonista. Isso com certeza foi um ponto muito importante para a Ancord.
Olhando para essa floresta hoje, quais são os maiores desafios das corretoras?
O desafio é como o de qualquer negócio. O de encontrar o equilíbrio entre o seu investimento e fazer de uma forma que possa perenizar a sua operação. Acho que não tem um modelo apenas… O mercado como um todo também está olhando muito a questão da digitalização, dos bancos digitais e trabalhando neste modelo. Tem espaço para todo tipo de negócio.
Como você vê o movimento dos escritórios querendo virar corretoras e a chegada das fintechs?
Em relação às fintechs acho que está no começo. Tem muitas pessoas que não tiveram acesso ao mercado de investimentos. Quem está chegando tem um papel importante, trazendo um acesso mais leve. Mas ele não pode ser irresponsável. Ele é leve, mas tem que ter conteúdo para não criar uma experiência negativa para a pessoa que está ingressando no mercado de investimentos.
Sobre os escritórios. Eu acho que tem espaço para todos. Essa evolução do escritório de investimentos para uma corretora é o crescimento do setor…A Ancord trabalha bastante para que o próprio agente autônomo tenha essa possibilidade de ter outras atividades, sem a necessidade de ter outras empresas. Ou seja, ele segrega dentro da instituição e não segrega por CNPJ. A Ancord há muito tempo trabalha junto à CVM para dar mais musculatura para o agente autônomo, permitir outras atividades, permitir o sócio investidor.
Pegando esse ponto das conversas com a CVM. Qual é a posição da Ancord em relação ao fim da exclusividade?
O que foi pactuado no conselho da Ancord é que a Ancord é contra a exclusividade. A Ancord tem um posicionamento claro, público e registrado na CVM. Ela acha que não tem que ter exclusividade. O que tem que ter, é bons controles.
Em relação ao fim da exclusividade, várias plataformas se anteciparam e têm introduzido a exclusividade nos contratos por 10, 15 anos. Amanhã, saindo a resolução da CVM, teremos de fato o fim da exclusividade?
Modelos estabelecidos há muito tempo também levam tempo para serem validados. Acho que sim… qualquer contrato pode ser rompido desde que as cláusulas sejam preservadas. O importante é a possibilidade de o profissional poder se vincular de uma forma não exclusiva. E o Brasil caminha nesta linha de liberdade econômica… a exclusividade teve o seu momento. A Ancord desde o primeiro dia é contra porque entendemos que existe outros mecanismos para controlar e trabalhar os riscos de um assessor ter mais de uma instituição. A própria Bolsa, a BSM tem modelos de acompanhamento.
Do ponto de vista da regulamentação, o que ainda falta?
O principal é poder ter produtos de investimentos que são mais ligados aos investidores profissionais, que serão levados ao investidor de varejo, menos qualificado. Esse seria um grande avanço, que tem que ser trabalhado com responsabilidade. Aqui voltamos novamente para a questão do educacional. A pessoa tem que saber o que está fazendo.
Hoje, o profissional que passa no exame da Ancord tem capacidade para atuar no mercado?
Teoricamente a pessoa que passar na prova, está capacitada. O grau de exigência é alto. Nós temos um índice de reprovação pesado. Na prática, é aquilo que conversamos. Você pode fazer 10 mil horas de voos no simulador, você só vai saber quando estiver voando. E aí você precisa do papel do tutor ao lado, que vai acompanhar o profissional no começo de carreira. É assim em qualquer área. Por exemplo, o advogado. Ele tem uma prova pesadíssima da OAB, mas ele não sai pronto. Ele vai ter que aprender a falar com o juiz, a fazer uma petição, a se relacionar com o cliente. Esse é um trabalho educacional de 360 graus. Além disso, não podemos esquecer da Educação Continuada da Ancord que é fundamental. O setor muda todo dia, todo dia tem coisa nova, tem legislação nova. Tem que se atualizar.
Só de o assessor de investimentos entender o que tem de produto dentro de “casa”, já é um desafio.
É verdade. Nós conversamos muito sobre a segmentação da certificação. É algo que você tem nos EUA. Lá você certifica o profissional por segmento, por produto. Mas isso é algo que aqui é muito embrionário. Apesar de ser discutido há muito tempo, não tem um consenso. Você poderia ter uma certificação Júnior, outra para o profissional trabalhar em determinado segmento. Poderia ter uma certificação por ações, para derivativos, para renda fixa. Você poderia ir criando módulos para ir nichando, especializando e depois você faz uma certificação ampla. Mas o regulador achou melhor um modelo mais amplo e estamos trabalhando com ele. De qualquer forma, o mercado está em evolução. Nós podemos trabalhar mais na frente com essa modularidade. Isso simplifica a vida de quem está entrando, de quem tem nichos para serem desenvolvidos. Afinal, nem toda casa tem todos os produtos.
A Ancord planeja alguma reformulação ou atualização da prova?
Temos que tomar muito cuidado para não elitizar, engessar e atrapalhar a indústria. Esse é o equilíbrio que temos que buscar sempre. A pessoa tem que saber o que está falando. Tem que estar preparado. Mas tem que ter um nível para isso… A prova é atualizada sempre. Temos a FGV que faz uma atualização permanente. E isso é em conjunto com a CVM. E o mercado tem mandado baixar a régua. O nível da prova é alto. O que temos que tomar cuidado ao pregar levantar a régua é que algumas pessoas acham que isso pode ser uma barreira de entrada comercial. Temos que dosar muito bem isso.
Acredita que em algum momento as certificações serão unificadas?
O cenário ideal seria ter uma outra entidade que pudesse trabalhar algumas frentes: Autorregulação e certificação. Isso de forma única, com uma governança plural, onde todo mundo pudesse estar no conselho. Mas não vejo isso acontecer, no curto prazo. As pautas são divergentes. As associações têm suas pautas muito bem-marcadas. Portanto, acredito que elas vão caminhar nesta linha independente, no médio prazo. Não consigo enxergar uma unificação neste momento.
Como o senhor vê as críticas sobre a falta de isenção da instituição para certificar e registrar o AI?
É natural. Quando se coloca fora do contexto pode se falar qualquer coisa. Mas é preciso olhar para trás e ver a construção. Por exemplo, a construção da regulação do autônomo. O desenvolvimento do autônomo pessoa jurídica, que não existia, foi iniciativa, esforço e muita luta da Ancord. Depois a regulação e autorregularão veio para atender um mercado desorganizado, que colocava no autônomo uma imagem de falta de compromisso com as instituições e clientes. Isso levou muito tempo. Tivemos discussões com o Ministério Público que colocou que a CVM terceirizou o poder de polícia. Ajustamos isso. Tudo isso foi construído para fazer o mercado chegar aonde chegou. Saímos de zero autônomos regulados para mais de 20 mil com aprovação (no exame da Ancord). Estamos falando de um mercado com potencial de 100, 200 mil autônomos. Então, é natural que venham críticas.
Mas e sobre a isenção de escolher vencedor, perdedor, quem se certifica?
O que posso dizer é que tanto a certificação quanto autorregulação têm um ambiente isolado. Sem nenhum componente político. Tem uma pauta direta com a CVM que é conduzida direto pelo diretor geral e pelo diretor de certificação da Ancord. Na interlocução com a CVM, só os técnicos participam, não tem membro político.
Não tem o perigo de não estarmos sendo isentos. Não estamos na execução. Quem está é um time totalmente segregado. Então, é impossível não sermos isentos. Se tivesse um conselheiro, um associado dentro desse grupo, mas não tem.
Também ressalto que na execução é zero interferência. Por exemplo, se eu tiver o pedido de alguém dizendo que não concordou com a prova. Eu pego o e-mail e passo para o autorregulador para ele responder… E quem acha que não tem isenção, tem que vir para a associação. A Ancord está aberta para autônomos, não autônomos, assets, corretoras, bancos de investimentos, bancos estrangeiros. Temos uma pluralidade de associados. Então, isso (de falta de isenção) é besteira de quem está vendo que o mercado tomou corpo e só tomou corpo à custa de muito trabalho.
Quais projetos a Ancord tem no horizonte?
O que queremos é buscar atividades que permitam que as instituições se mantenham no mercado de forma equilibrada. Estamos trabalhando muito em buscar novas fontes de receitas para as corretoras, novas formas de abordagens, mais liberdade econômica para poder fazer novos negócios com outros players. Trabalhamos sempre em conjunto com a Bolsa, a CVM e o Banco Central. Esses são os nossos parceiros prioritários que precisamos estar muito alinhados, para que o nosso ecossistema possa se desenvolver.
Texto publicado na edição 47 da revista CRC!News, acesse e leia todos os destaques do setor.