Nos últimos anos, a B3 passou por um grande processo de democratização, fazendo com que o número de contas de pessoas físicas abertas em corretoras saltasse dos 1 milhão registrados em maio de 2019 para os mais de 5 milhões atuais. No entanto, se o acesso ficou mais fácil pelo lado do investidor, para as empresas ainda existem barreiras na hora de abrir seu capital e viabilizar negociação em bolsa, assim como certos papéis também não conseguem encontrar liquidez neste ambiente. Contudo, uma autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para que algumas plataformas iniciem operação de balcão promete ser o primeiro passo para mudar essa realidade e abrir novas possibilidades de atuação para os assessores.
Uma das credenciadas pelo regulador é a Vórtx QR Tokenizadora, joint venture entre a Vórtx, fintech de infraestrutura para o mercado de capitais, e a QR Capital, holding do setor de blockchain e criptoativos. Desde 1º de junho, a plataforma conta com 12 slots voltados à emissão de debêntures ou cotas de fundos de investimento fechados. Segundo o CEO Juliano Cornacchia, estes produtos foram selecionados por encontrarem problemas de liquidez no ambiente da B3.
“No caso das debêntures, a grande dificuldade do investidor está em obter informações sobre as empresas emissoras para tomar sua decisão de compra. Como atendemos toda a indústria de ponta a ponta na parte de infraestrutura, realizando serviços como liquidação, controladoria e escrituração, temos capacidade de reunir esses dados e disponibilizar ao mercado”, revela em entrevista à CRC!News.
Cornacchia explica que a Vórtx, em conjunto com a CVM, construiu um sumário de todas as informações que o investidor precisa ter em mãos. Porém, a interface mostrará, por exemplo, que determinado emissor possui relatórios pendentes, mas caberá ao investidor avaliar se estes documentos são ou não relevantes para sua tomada de decisão. E é justamente essa possibilidade de acessar dados e documentos de referência sobre empresas ainda não listadas em bolsa que deve abrir espaço para os assessores de investimento orientarem seus clientes.
“Ninguém cria conta na própria B3 para operar na bolsa, mas sim recorre às corretoras, bancos e DTVMs. Da mesma forma, esses parceiros vão ser fundamentais no novo ambiente. Ao se plugarem à nossa plataforma, eles ajudam a construir um mercado grande e trazem junto toda a sua estrutura, incluindo o time de assessores, que terá o papel de recomendar os melhores tokens aos investidores”, revela.
Além de ampliar o leque de informações e, com isso, ajudar a trazer maior liquidez, a Vórtx também vai disponibilizar os valores de negociação para que os interessados tenham referências mais claras sobre o preço de mercado de cada ativo. Por fim, outro benefício será a substituição de um depositário central pela tecnologia blockchain, o que deve baratear e dinamizar as operações tanto para o investidor quanto para as empresas. “Hoje, ao emitir uma debênture, as companhias precisam oferecer prêmios elevados, pois o investidor sabe que terá problemas se desejar sair da operação. Ao ampliar a liquidez e reduzir o spread, o emissor vai conseguir taxas de financiamento melhores”, completa.
Até o momento, a nova plataforma já conta com duas emissões: uma de debêntures tokenizadas da Salinas Participações, com coordenação do Itaú BBA, com volume de R$74 milhões, e outra de cotas tokenizadas do fundo de direitos creditórios QR Rispar Crédito Cripto, com captação de R$8 milhões. Ambas as ofertas foram voltadas para investidores qualificados e profissionais.
Startups no mercado
Outra operação regulada pela CVM que está iniciando negociações de balcão é a SMU Investimentos. Especializada em captação de recursos para startups via crowdfuding, a plataforma agora vai poder ambientar operações no mercado secundário de cotas das empresas que passaram pelo processo de financiamento coletivo mas ainda não conseguem acessar a B3.
“Como é um mercado relativamente novo, nos baseamos muito em players lá de fora que já tem o secundário rodando com sucesso. Apesar de serem públicos diferentes, de países diferentes, vemos que a baixa liquidez do crowdfunding limita muito o interesse, e essa nova operação de balcão tem o potencial de atrair mais pessoas”, afirma Pedro Rodrigues, cofundador da SMU Investimentos.
Por se tratar de uma modalidade de risco, pois envolve startups, Rodrigues explica que a plataforma terá vários disclaimers para definir o perfil do investidor e alertá-lo. Nesse sentido, a empresa vai apostar em suas iniciativas de educação para conscientizar as pessoas a operarem de maneira responsável, mas não deve contar com o suporte direto de assessores em um primeiro momento, pois o crowdfunding ainda não está no escopo de atuação permitido à categoria.
“Perdemos uma batalha em 2017, quando a CVM não permitiu a entrada dos assessores e deixou o papel de orientação com as plataformas. Agora em julho, o regulador deve soltar uma resolução mais permissiva, abrindo a possibilidade de contratarmos promotores da oferta, que podem ser assessores. Eles vão poder indicar ativos ou mesmo fazer a operação pelo cliente, aponta Rodrigo Carneiro, que também é cofundador da SMU
A empresa já conta com um sistema de divulgação de fatos relevantes e disponibiliza aos financiadores relatórios de RI a cada três meses. Agora, esses documentos ficarão abertos a todos e podem ser usados como subsídio pelos profissionais do setor. “Imaginamos que, em breve, os assessores vão ter uma participação mais ativa na orientação e disseminação desse tipo de investimento”, completa Carneiro.
No início, a quantidade de emissores será limitada a 10 startups. Para se habilitar a participar das negociações no mercado secundário, a pessoa precisará ter realizado ao menos um investimento em empresa por meio de crowdfunding, seja pela SMU ou via outra plataforma. Uma das primeiras companhias a negociar seus tokens no novo ambiente será a Flapper, de aluguel de aviões executivos, que recebeu R$2,5 milhões em aportes de 211 investidores.
Matéria publicada na edição 42 da revista CRC!News.